29 de agosto de 2010

Nunca fui primeira-dama



O Brasil tem Fernanda Young, reserva de Paulo Coelho. Cuba tem Wendy Guerra, igualmente performática, mas talentosa. “Nunca Fui Primeira-Dama” é um romance-vingador. A involução de Fidel Castro destruiu a família da autora e, por isso, Wendy ataca a ditadura castradora. Batalha estética corrosiva.

A surpreendente Wendy, de 40 anos, é uma mulher mignon, mas de muita coragem. Seus livros não podem ser lidos pelos cubanos, pois a dinastia Castro os pôs no índex (e depois a esquerda fala mal da Inquisição). “Nunca Fui Primeira-Dama” (Benvirá, 255 páginas, tradução de Josely Vianna Baptista) é muito bem escrito, uma delícia, mas conta uma história tristíssima. A história é verdadeira, mas o recurso à imaginação literária é que a torna mais interessante e poderosa.

Wendy conta o drama de Nadia Guerra, alter ego da autora, e Albis Torres. Albis, a mãe de Wendy, reuniu material para escrever um romance biográfico de Celia Sánchez, a ex-mulher não-oficial de Fidel Castrador (opa, Castro). Não deu pé. Albis perdeu o emprego e teve de sair do país. Mais: chegou-se a divulgar que teria disputado Celia Sánchez com o próprio garanhão-mor do país. A quase-primeira-dama seria bissexual. Como Albis não pôde escrever o romance, ou biografia, sobre a supostamente injustiçada Celia Sánchez, Wendy decidiu escrevê-lo, e o fez muito bem. Com talento e muito tutano.

Por que o livro de Wendy é tão forte? Porque, apesar de ser uma vingança, é também literatura de nível. Quando a estética é usada como arma de ataque, mas não mera arma de ataque, acaba por ser muito mais forte do que a literatura puramente engajada, à esquerda ou à direita.

O regime cubano fica parcialmente indiferente a Wendy, pois, ao proibi-la, a ignora e, sobretudo, a isola internamente. Mas o mundo acaba sabendo de suas ideias, prosa e poesia.

Lendo o romance constata-se que Cuba se tornou um imenso campo de concentração — e legitimado pela esquerda internacional. Trata-se do Auschwitz dos trópicos? Não chega a tanto, sejamos justos. Os cubanos não podem sair, os dissidentes são presos por uma legislação totalitária e uma justiça corrompida pelo Partido Comunista, e livros, quando não agradam à família Castradora (opa, Castro), são proibidos.

Mas felizmente as pessoas não são mortas em câmaras de gás. Dissidentes militares, como o general Arnaldo Ochoa, são, em regra, executados no Paredón, porque, teoricamente, ameaçam o poder da dinastia. Claro que, para protestar — como não têm jornais, revistas, rádios e tevês e são apontados como “bandidos” —, os dissidentes têm de fazer greve de fome.

Oxalá Wendy não se torne uma escritora que “apenas” protesta, e torçamos para que siga escrevendo prosa de qualidade. A prosa de combate acaba morrendo com a circunstância, não se torna atemporal. Seu livro, uma pequena obra-prima, talvez sobreviva, ainda que não tenha a energia dos romances “O Vermelho e Negro”, de Stendhal, e “Guerra e Paz”, de Liev Tolstói.


 
Autor: Euler de França Belém

Nenhum comentário: