30 de junho de 2011

Sobre a sincronicidade




Esse antigo ditado chinês descreve uma ideia básica oriental, a conexão entre a psique humana e as ocorrências exteriores, o mundo interior e exterior. Alguma vez você pensou muito como resolver determinada situação, sem saber como deveria agir? E de repente teve uma intuição que deveria mudar o rumo das coisas ou o caminho a seguir, podendo ser logo depois de abrir a página de um livro que leu sem querer, ao ouvir uma conversa na fila ou após um sonho? Pensou em alguém que gostaria de falar ou encontrar e logo em seguida se encontrou ou recebeu um telefonema da pessoa que pensou? Essas situações podem se tornar comum em alguma época na vida de algumas pessoas, o que nos confirma que nada acontece por acaso.

Apesar de nós, ocidentais, termos muita dificuldade em entender esses eventos, muitas vezes acreditando que tudo aquilo que não pode ser percebido pelos cinco sentidos ou explicados pela razão, seja considerado de menor valor, na verdade a sincronicidade nos proporciona um vislumbre interior e que há de fato um elo entre nós e o Universo. Mas como os eventos significativos são manifestos em linguagem simbólica, podem dificultar seu entendimento e assim se tornam muitas vezes ignorados. Mas talvez seja possível entender um pouco mais sobre as coincidências significativas tendo uma compreensão da teoria de Jung. A primeira vez que Jung utilizou o termo sincronicidade foi em 1930, mas a primeira publicação só ocorreu em 1952, quando ele tinha 75 anos. Como vemos esses fatos já são estudados há algum tempo.

Muitos acontecimentos aparentemente casuais podem ser significativos. Quantas vezes você não se deparou com coincidências ou encontros e não pôde explicar como ocorreram? Ou seja, quando existe uma coincidência entre um sentimento ou um pensamento e acontece um evento externo do qual a pessoa sente como significativo, damos o nome de sincronicidade. As coincidências significativas mais comuns acontecem quando estamos num momento de maior reflexão sobre o sentido da vida, momentos que parecem de algum modo diferentes, mais intensos e que não conseguimos muito explicar o que ocorre.

Não há explicação racional para situações em que uma pessoa tem um pensamento, sonho ou um estado psicológico interior que coincida com um acontecimento. Como nos casos em que pensamos em alguém, o telefone toca, e quem chama é a pessoa na qual estávamos pensando. E quando esses eventos tornam-se constantes é comum as pessoas ficarem assustadas, pois não entendem a profundidade desse processo. Quando entendemos e aceitamos a idéia de sincronicidade, qualquer acontecimento pouco comum é um convite para parar e pensar. Podemos sentir que algo está tentando nos dizer alguma coisa e essa sensação aumenta com cada novo acontecimento nesse sentido. Ter consciência de que as coincidências acontecem conosco é o primeiro passo para que passem a acontecer cada vez mais. Seja qual for o sinal, sentimos que é preciso decifrar uma mensagem e com isso tendemos a nos conhecer e crescer. É quando começamos a ter consciência de que algumas ocorrências podem mudar nossa vida. Para a sincronicidade, as coincidências dos acontecimentos significam algo mais do que mero acaso. Houve alguma coincidência que fez com que você chegasse até esse artigo e que agora percebe que foi significativa?

A sincronicidade pode nos dar a confirmação de que estamos no caminho correto, ou ainda, que devemos mudar o rumo que estamos indo. Algumas sensações como calafrio subindo pela espinha, de espanto ou calor, frequentemente acompanham a sincronicidade.

Se quiser, poderá fazer um registro de informações em forma de diário. Formule as perguntas certas e fique atento que as respostas chegarão. Mais cedo ou mais tarde as coincidências vão ocorrer para levar você na direção indicada pela intuição. Quando passar a ouvir sua intuição, sua voz interior, logo perceberá que sua confiança proporcionalmente irá aumentar. Como diz Richard Bach: Cada pessoa, todos os episódios de sua vida, aí estão porque você aí os colocou. O que você escolhe fazer com eles, depende de você! E o que fazer com eles pode ser indicado pela sua intuição e sincronicidade. E realmente acontecem, por isso fique atento!



Rosemeire Zago 


Peter Gabriel - In Your Eyes

29 de junho de 2011

Os meus, os seus e os nossos medos



O medo é um sentimento que nos ronda 24 horas por dia. Tememos tudo ou quase tudo: da barata ao amor. Ainda temos medo de mudar, perder, arder, sofrer, sonhar, acreditar, decepcionar, morrer. Se por um lado, ele nos protege de situações verdadeiramente ameaçadoras, por outro nos paralisa para outras compensadoras.

Fico imaginando se Jesus, Einstein, Sabin, Chico Xavier e tantos outros seres humanos fundamentais da história tivessem paralisado por causa do medo. O que teria sido de nós? E o que fizemos de nós com as oportunidades que deixamos passar, as pessoas não fizemos felizes, os trabalhos que não realizamos, os amores que não vivemos, enquanto estávamos paradas que nem postes, esperando o medo atravessar a rua?

Fora da medida certa o medo ganha outros nomes: egoísmo, orgulho e vaidade. Horrível admitir isso. Deixar de fazer qualquer coisa por medo de sofrer, se expor, perder ou se decepcionar é o auge da vaidade humana. É colocar-se num patamar superior, sobre-humano.

Calma, porque não é recado para ninguém em especial. Estou falando comigo mesma neste momento, me expondo, tentando me colocar na fila dos mortais que seguem adiante amando e se decepcionando, sonhando e perdendo.

Se fugir do que chamam “viver” resolvesse, eu estaria salva, sem cicatrizes. Mas não estou. A zona de conforto não salva ninguém de nada; não impede a dor, as lágrimas e o sofrimento, contudo bloqueia brutalmente a alegria, o prazer e a paz.

Triste de quem acredita que construir defesas defende de verdade ou cria imunidade contra algum tipo de machucado. Pessoas, as feridas mais doloridas brotam sobre os escudos imaginários, sabiam? Meu desejo para esse tipo de gente covarde (continuo falando de mim, mas se servir para você também, ótimo!) é que ame como nunca e sofra como sempre. E que entre o amor e a dor existam dias de prazer e alegria jamais vividos nesta vida. “Ei medo, eu não te escuto mais. Você não me leva a nada...” Jota Quest.


Fernanda Santos 


Viva La Vida  - Coldplay






28 de junho de 2011

Igualdade na diferença como nova prioridade





Depois da fase em que se buscava a igualdade pura e simples entre homens e mulheres, agora o modelo de relacionamento se baseia no reconhecimento das diferenças que existem entre os sexos, mas sem estabelecer hierarquia de valor entre elas.

Homens e mulheres vêm caminhando juntos pela vida desde o começo dos tempos, mas agora se perguntam: "Será que esta é a estrada certa? Será que ela está indo para onde a gente quer?" Os antropólogos sempre disseram que em todas as culturas, em todo lugar e sempre as relações foram complementares - a caça e a guerra masculinas, a maternidade feminina.

Por milênios esse modelo de complementaridade se manteve. O homem ousava desafiar a morte, a mulher operava o milagre da vida. Isso significa que por muito tempo as diferenças entre o feminino e o masculino foram reforçadas tanto pela cultura como pela educação. É verdade que os homens e as mulheres são diferentes, mas dentro desse modelo da desigualdade não só seu corpo, mas também no lugar que ocupam na sociedade e aquilo que fazem são diferentes.

Nesses termos, diferença significa desigualdade, significa ainda que um é impotente sem o outro. Por esse motivo, os laços que se formavam eram sempre de dependência recíproca ou de um ficar por cima e o outro por baixo. O problema é que as sensações de por cima e por baixo vão se entranhando no corpo e na mente. Em cima significa forte, superior; embaixo está ligado a estar aprisionado, comprimido.

Entretanto agora, neste século, ocorreu uma mudança. Sobretudo nestes últimos 25 anos começou a surgir um novo modelo. As mulheres e até certo ponto os homens foram atrás daquilo que os iguala e tentaram superar as diferenças. As mulheres queriam "algo mais". Algo mais que antes. Esse algo mais quer dizer movimento, crescimento. Então, a experiência vital toma uma direção.

A partir do momento em que mulheres em um número considerável saíram da cozinha para ocupar as vagas nas faculdades e começaram a trabalhar fora, elas trocaram proteção por igualdade. Se antes se dizia "ladies first" (mulheres primeiro), depois se passou a dizer "eu primeiro", e cada um passou a abrir as portas da vida para si mesmo.

Essa mudança fez também com que, pela primeira vez na história da humanidade, homens e mulheres começassem a se olhar cara a cara, a perceber os sonhos, os desejos, as fantasias um do outro, a ver coisas que jamais tinham visto até então. Com isso, foi surgindo uma nova fórmula de relacionamento. Tratava-se de uma declaração de interdependência na qual se considerava um progresso que o homem identificasse em si mesmo seu lado feminino e a mulher, por sua vez, percebesse seu lado masculino.

Assim ficava mais fácil o encontro, a ligação. Dizia-se: "Cada um tem em si um pouco do outro, ou seja, masculino é masculino, mas tem também um pouco de feminino (compreensão, sensibilidade). Feminino é feminino, mas tem também um pouco de masculino (agressividade, competitividade)" . A ideia era criar um novo tipo de parceria. Uma nova dança com parceiros se movendo num mesmo ritmo, criando um pattern juntos e sendo alimentados por isso.

Mas, como vivemos num mundo em transformação (mudado e mutante), as regras continuaram mudando e, com isso, homens e mulheres também. E agora está surgindo uma outra proposta, uma outra possibilidade, a de igualdade na diferença. Segundo esse novo modelo, as mulheres não são inferiores nem superiores aos homens, mas também não são iguais, só que essa diferença não é uma desvantagem, mas sim uma vantagem. Traduzindo: cada um é o que é e mantém suas características específicas. Por exemplo: homem forte, mulher sensível.

Mas ninguém é mais do que o outro, ou seja, as qualidades de um têm o mesmo valor que as do outro. Desta maneira, cada um dá sua contribuição única e insubstituível, e faz com que a diferença se destaque como valor. Isso significa reconhecer a diferença sem estabelecer hierarquia. Significa também avançar no caminho do conhecimento da nossa natureza, do que somos e do que podemos vir a ser.

As mulheres abrigam algumas diferenças básicas em relação aos homens porque no centro de sua existência estão valores como o amor, a atenção e o cuidado com o outro, as relações de ajuda mútua não remunerada a não ser pela reciprocidade, a proteção da vida.

Existe uma hora em que se compreende o que é essencial, o que realmente merece ser preservado.

A história está aí para nos mostrar que a humanidade nunca parou de evoluir. Talvez, se continuarmos trilhando esse caminho, aceitando as diferenças, mas preservando a equivalência, estejamos indo exatamente para o lugar aonde desejamos chegar.



Maria Helena Matarazzo 

A-Ha - Hunting High And Low

 

27 de junho de 2011

Você quer um amor, custe o que custar?




Algumas pessoas, depois de passar um longo tempo sem namorar, entram numa espécie de redemoinho de ansiedade e desespero, pensando e agindo de modo visivelmente desesperado para conseguir engatar um encontro, um caso, qualquer que seja a forma de vínculo.

Claro que a maioria nem percebe essa dinâmica desvairada que adota. Muitos acreditam mesmo que estão apenas "lutando" por alguém que lhes interessa - e nada mais natural. Mas a questão é que sempre tem alguém, ou melhor, essas pessoas se apaixonam e se desapaixonam quase que semanalmente.

Há ainda aquelas que nunca ficam sem uma história de "amor". Estão sempre enroladas e sofrendo. E, assim, terminam assumindo como seus aqueles perfis sustentados pelo azar: "tenho o dedo podre para relacionamentos", "só atraio pessoas erradas", "não nasci para ser feliz no amor", entre outros.

E, apesar disso, praticamente afogadas na inconsciência e na falta de autoconhecimento, essas pessoas não se dão conta de que precisam parar, olhar para si mesmas, sentir e, sobretudo, refletir sobre algumas questões básicas: "o que eu realmente quero?", "o que estou buscando no outro que, talvez, devesse encontrar antes em mim mesma?", "por que será que não tem dado certo?", "será que devo mudar algo em mim para que os encontros sejam mais harmoniosos?".

Se você tem se sentido angustiado, carente e frustrado porque não consegue namorar, cuidado com a cilada do "vou conseguir, custe o que custar". Veja bem: quando você se predispõe a pagar qualquer preço por uma companhia, só pra poder "provar", seja para si mesmo ou para quem quer que seja, que você é capaz de atrair um par, é muito provável que a conta, isto é, o tal preço de custo seja bem mais alto do que você imaginava.

Relacionamento tem de ser caminho para a evolução e não para a involução, para a autodestruição, para a aniquilação de autoestima, segurança e amor próprio. Amor tem de ser gratuito, fluido, gostoso. Encontro tem de ser leve, divertido, motivador. Namoro tem de ser sinônimo de troca, reciprocidade, acréscimo, encantamento.

Mas tudo isso de bom só é possível quando você tiver noção do quanto merece, do quanto realmente pode ser feliz. E, assim, em vez de pagar para ter alguém em sua vida, compreenderá que se fôssemos comparar o entrelaçamento de dois corações com uma negociação, estaria mais para uma permuta: você dá o seu melhor e recebe do outro o melhor que ele tem a oferecer. Ninguém precisa pagar nada. Não há custos, a não ser o da aprendizagem.

Portanto, pare de atirar para todos os lados, desperdiçar os seus dias em função de um outro que você nem sabe se lhe quer. Desespero não atrai e sim espanta, assusta. Lembre-se: para atingir um alvo, você precisa de foco, precisão e conhecimento. E para conquistar um coração, você precisa de sensibilidade, cuidado, respeito e autopercepção. Se conseguir exercitar o melhor dessas artes, é bem provável que você pare de pagar -e muito caro- para viver encontros que mais servem para te roubar toda sua esperança do que para te fazer feliz de verdade...



Rosana Braga


Aretha Franklin - Burt Bacharach - I Say a Little Prayer



26 de junho de 2011

Romper para viver


 
"O que quer que você faça na vida será insignificante. Mas é muito importante que você faça, porque ninguém mais fará. Como quando alguém entra na sua vida, metade de você diz: ´Você não está preparado´. Mas a outra metade diz: ´Tome-a para sempre".

A frase é do filme Lembranças, de Allen Coulter. A cena inicial é de uma menina de 11 anos que vê a mãe sendo morta no metrô de Nova York. Dez anos se passam e, num jantar com um possível amor, ela pede primeiro a sobremesa. Só depois o prato principal. A moça explica que pode cair um meteorito no restaurante e acabar com tudo. Então terá morrido sem comer o doce de que tanto gosta.

Renato Russo eternizou a frase “É preciso amar como se não houvesse amanhã”, e o poeta argentino Jorge Luiz Borges emocionou o mundo com o poema Viver a Vida – “Se eu pudesse novamente viver a vida... Na próxima trataria de cometer mais erros...”.

Assim sendo, qualquer coisa que eu diga parecerá um déjà vu capenga. Não importa, porque se eu não escrever agora, daqui a um segundo pode cair um meteorito e não terei atendido a um pedido do meu coração. Não vou falar do amor que você deixou escapar, nem do “eu te amo” que você deveria ter dito ao seu pai antes de ele ir embora de repente. Esse tipo de arrependimento é óbvio demais e, se você decidiu carregá-lo durante a vida porque se sente confortável sentado sobre a culpa, saiba que ainda há salvação.

Saindo de Lembranças e entrando no filme Cisne Negro, fico com a certeza de que a repressão é o mal maior. Ela gera e fomenta a culpa, excita os inimigos ocultos, cria um universo paralelo; nos obriga a ser quem não somos, nos torna obsessivos pela perfeição.

Repressão sabota, enlouquece, fere, deforma, distorce e adoece. Exige de nós disciplina e energia extenuantes. Quem vence a repressão: a vida ou a morte? A morte, sempre. Para viver é preciso romper e todo rompimento é uma espécie de morte. Tem gente que sai para comprar cigarro e nunca mais volta. Tem gente que usa a repressão para não viver. Tem gente que mata a repressão para não morrer. 

Fernanda Santos


Heart Breaker (Bee Gees)


25 de junho de 2011

Tristeza ou depressão?




Quem trabalha na área sabe que somos seres bio-psico-sociais. Acontece que cada um tem suas preferências teóricas e assim existe a turma do bio, a do psico e a do social. A depressão é um problema para todos os que não sabem operar com as três variáveis ao mesmo tempo. Os psiquiatras clínicos (bio) acham que quase tudo depende da concentração da serotonina nas sinapses cerebrais: quando ela fica baixa nos sentimos fracos e tristes e passamos a ver a vida pela ótica pessimista que acaba interferindo sobre o estado mental e sobre nossas relações interpessoais. Os psicoterapeutas (psico) acham que quase tudo depende de conflitos íntimos derivados de experiências dolorosas na infância e adolescência: inseguranças sexuais, baixa auto-estima dentre tantas condições negativas nos deixam tristes, incompetentes para o amor e para as boas relações sociais, condição na qual também nos sentimos deprimidos. Os sociólogos (sociais) acham que quase tudo acontece por força das circunstâncias que nos rodeiam: criamos um meio social mais voltado para a produção e o consumo, e nosso habitat, exigente e cada vez mais difícil, nos leva a um estado depressivo por não estarmos de acordo com todas as expectativas (riqueza, magreza, etc.).

Nunca me filiei a escolas e tenho horror a dogmas. Fui dos primeiros a ver a depressão como um tema complexo: as pessoas estão crescendo mais frágeis por força de uma educação mais permissiva e não estão sendo capazes de lidar com as pressões sociais que só têm crescido. Isso faz com que a incidência de quadros depressivos esteja crescendo efetivamente. Os médicos não sabiam fazer diagnóstico que, de fato, se tornou mais acurado (em parte, é verdade, por pressão da indústria farmacêutica, interessadíssima em vender os novos antidepressivos) e isso também modificou o número de casos de depressão. Qualquer que seja a causa, psicológica ou social, ao longo do tempo, sempre existem repercussões sobre os neurotransmissores cerebrais e o uso de antidepressivos pode ajudar a aliviar a dor mesmo naqueles casos em que os problemas são concretos e objetivos, para os quais a psicoterapia também está indicada. A concomitância de psicoterapia com o uso de antidepressivos é algo que faço desde 1967 e ainda hoje muitos psicanalistas (e alguns psiquiatras clínicos) acham prática indevida. É claro que as depressões podem acontecer por força de perturbações originárias de predisposições orgânicas (familiares ou não) e aí acontece o contrário: a pessoa deprimida enxerga mal a si mesmo e sua realidade.

Minha convicção é a de que se trata de um caminho de mão dupla: perturbações na química cerebral alteram a forma de pensar ao passo que pensamentos equivocados, derivados de conflitos psicológicos íntimos ou de se ter que viver num meio social inóspito, provocam alterações na química do cérebro. Apesar de não parecer, o pensamento é o subproduto misterioso da atividade cerebral. Um subproduto curioso, uma vez que ganha poderes próprios, inclusive para interferir na atividade cerebral. É tudo muito complexo e a questão não cabe numa fórmula simplista. Assim, cada caso é um caso que deve ser estudado detalhadamente. O ramo é mais parecido com a alta costura do que com o prêt-à-porter.

Podemos tentar classificar nosso sofrimento íntimo como normal ou patológico, condição à qual voltarei no próximo artigo. Trata-se de uma avaliação complexa e difícil. Podemos pensar em tristeza com causa objetiva determinante e estados depressivos (tristeza e depressão são, hoje em dia, usados como sinônimo) definidos antes de tudo por alterações na química cerebral. Não se deve subestimar a dificuldade presente neste tipo de divisão, pois estados de alma interferem sobre a química e vice-versa.

Penso que é muito mais útil separar os estados depressivos em sofrimento construtivo e produtivo ou improdutivo e pouco útil - senão completamente inútil. Do ponto de vista prático, esta é a classificação que determina o tipo de interferência do profissional de saúde. O sofrimento produtivo é aquele que deriva da tomada de consciência de erros que cometemos: a autocrítica é sempre muito dolorosa quando, por exemplo, um empresário tem que perceber que sua situação financeira se deteriorou por força de equívocos previsíveis; dói para alguém que perdeu o parceiro sentimental por razões que poderiam ter sido evitadas, dentre tantos outros exemplos. A fase de avaliação do ocorrido é extremamente produtiva e pode levar a importantes mudanças psicológicas, melhorando as condições da vida futura. Numa situação dessas seria quase criminoso fazer uso de algum tipo de medicação que viesse a prejudicar a reflexão em toda sua profundidade.

Nos casos de luto por morte de pessoa querida a situação é diferente, já que não temos que aprender nada acerca de nossas atitudes. Talvez tenhamos muito a aprender sobre condição humana e, é claro, cabe a dor e sofrimento que, diga-se de passagem, nenhum tipo de medicamento é capaz de atenuar muito durante a fase aguda da tristeza.

Acontece que, tanto no caso da autocrítica útil e construtiva quanto no luto necessário para melhor entendermos nossa condição, pode acontecer do estado depressivo se estender para além do útil e conveniente. No caso do empresário que aprendeu com seus erros, é claro que ele terá que sair do estado depressivo e ir atrás de salvar o que restou de seus negócios. Para conseguir fazer isso é preciso que esteja um pouco mais disposto. Isso vale para quase todas as condições depressivas que se prolongam para além do que é produtivo e útil. Aí cabe sim tentarmos ajudar a pessoa a sair do atoleiro depressivo (que, muitas vezes, já se tornou um fato químico) por meio do uso de medicamentos e psicoterapia (que está indicada também na fase de autocrítica).

Nos casos em que a depressão é de origem essencialmente química, todo o sofrimento é inútil e a mente patina em medos e pensamentos obsessivos de caráter negativo dos quais nada de bom se pode extrair. Cabe lançar mão de todos os recursos hoje disponíveis para amenizar este tipo de dor que não leva a nada. 


Na prática clínica é relativamente fácil sabermos quando estamos diante de uma pessoa portadora de boa tolerância às dores e que tem, em concomitância, uma constituição neurofísiológica privilegiada. Estas criaturas agüentam bem os golpes da vida: lidam com as tristezas inexoráveis (algumas de intensidade dramática, como é o caso do luto e das rupturas amorosas) da melhor forma possível. Vivenciam o sofrimento de uma forma lúcida e tentam extrair dele lições de vida. Saem fortalecidas de tudo o que passam, pois a autoconfiança se beneficia muito da constatação de que são competentes para os piores tombos sem se acovardarem em relação ao futuro. Estas são as pessoas normais.

As que têm uma labilidade maior em sua formação orgânica podem, por nada, acordar, numa madrugada, péssimas. O medo toma conta delas (medos irracionais correspondem a um dos mais importantes sintomas da depressão e estão presentes de forma muito mais marcante nos casos em que o problema é mais endógeno, menos dependente de fatores externos) e elas passam a ver tudo por uma ótica extremamente negra. Padecem, conforme cada caso, de vários dos sintomas que têm sido descritos como parte dos quadros depressivos que devem receber também tratamento farmacológico. Estas são as pessoas que têm a predisposição orgânica para a depressão e, neste aspecto de suas vidas, são anormais.

Entre estes dois extremos estamos quase todos nós: nem sempre tão competentes para lidar com nossas dores, nem sempre tão dóceis e tolerantes quanto gostaríamos, nem sempre em condições de superar sem ajuda estas e outras adversidades da vida. A verdade é que a fronteira entre o que é normal e o que é patológico corresponde a uma faixa muito extensa, de modo que uma tristeza pode se iniciar como algo normal e, com o passar do tempo, ganhar aspectos mais graves (quando o esperado seria sua superação). Pessoas deprimidas por força de razões orgânicas podem decidir se livrar sozinhas de suas dores e tratar de sair do seu estado sem o auxílio de medicamentos ou de psicoterapia. Como já escrevi, penso mesmo que cada caso é um caso.

Faço parte daquele grupo de profissionais que tem uma atitude de profundo respeito pelos pacientes e sua forma de pensar. Minha experiência é basicamente com pessoas normais, termo que uso para incluir também os que estão na faixa fronteiriça e que são a maioria de nós (por isso mesmo normais, ao menos do ponto de vista estatístico).

Considero que necessita tratamento, seja medicamentoso ou psicoterapêutico, aquele que procura, espontaneamente, ajuda. Sei que nos casos claramente patológicos muitas vezes o paciente vem trazido por parentes e isso faz todo o sentido. Nas demais circunstâncias, quem decide se precisa ou não de ajuda (querer receber ajuda não é sinônimo de estar doente de depressão) é o paciente. Ao profissional de saúde cabe prestar o auxílio desejado pelo seu paciente segundo os critérios que sua consciência e formação lhe sugerem.


Flavio Gikovate 


Graziella Schazad -Take on Me


24 de junho de 2011

Quem se entrega hoje em dia?





“Quando eu soltar a minha voz, por favor, entenda, que palavra por palavra eis aqui uma pessoa se entregando. Coração na boca, peito aberto, vou sangrando, são as lutas dessa nossa vida que eu estou cantando...”. Música de Gonzaguinha, chamada Sangrando.

Quantas vezes você sangrou e nem percebeu? Fechou a ferida com um trapo qualquer sem ver que estava com hemorragia? Muitos acontecimentos ferem mortalmente o coração e obrigam você a assumir outra postura diante da vida, mudar sua personalidade. Para o bem ou para o mal.

Quando a dor acontece num momento em que sua estrutura emocional está se formando, as bases são construídas no medo, na sensação de menos valia, e a transformam em alguém que você definitivamente não estava programada para ser. Quer muito, mas logo desiste, ou porque confirma a crença de que ia dar errado mesmo, ou porque falta energia para romper os obstáculos – tudo por causa daquele sangramento lá atrás, que foi tão forte e tão cheio de significados negativos inimagináveis, cujas marcas impedem que você desabroche.

Superar às vezes está além de suas forças. Resta sentir pena de si mesma. E você segue sangrando num jogo de forças opostas que ora lhe dão ânimo para seguir e, no instante seguinte, lhe derrubam ao chão brutalmente.

Pode falar o que quiser, mas o grande responsável é o desamor. Ou, se preferir, o amor que você entregou de peito aberto e lhe foi devolvido com traição, sordidez, crueldade, indiferença. Contudo, o que mata aos poucos é o que cura para sempre. Não existe outra fórmula a não ser entregar-se novamente, e novamente, e novamente...

Está na hora de estancar essa hemorragia, não com o trapo velho, e sim, com suas vísceras. Em vez de Sangrando, cante “...Eu quero mais é me abrir e que essa vida entre assim, como se fosse o sol desvirginando a madrugada, quero sentir a dor dessa manhã. Nascendo, rompendo, rasgando meu corpo e então eu chorando, sofrendo, gostando, adorando, gritando feito louca, alucinada e criança, eu quero meu amor se derramando, não dá mais pra segurar, explode coração!”.  
Nada terá sido em vão. Amém, Gonzaguinha!



Fernanda Santos


Tears For Fears - Head Over Heels


23 de junho de 2011

O susto de se descobrir apaixonado

 



Apaixonar-se pode significar viver uma sucessão de quedas livres, pois o amor permite experimentar raras emoções e perigosas sensações. Da fase inicial de deslumbramento à desejada etapa de intimidade madura os sabores são muito variados.

Para a criança, perguntamos: “Você me ama?”, “Quanto?” Então ela abre os braços e mostra “esse tanto”, porque na infância só existe pensamento concreto. Mais tarde na vida, tentamos demonstrar de muitas e muitas maneiras quanto é “esse tanto”. A psicanálise ensina que aqueles que foram bem amados na infância procuram encontrar um companheiro para recriar o paraíso perdido, enquanto os que sofreram privação, não foram desejados nem amados, buscam alguém para compensar este vazio. Então vamos pela vida querendo amar para copiar ou para compensar. Mas tudo isso com medo, medo de abrir o coração, porque quando agimos assim ficamos vulneráveis à desilusão, à rejeição.


É assustador amar. Às vezes, um homem diz: “Que desgraça, acho que me apaixonei”. Isso porque se apaixonar pode ser uma sucessão de quedas livres. O escritor irlandês Oscar Wilde (1854-1900) disse que algumas tentações são tão grandes que é preciso muita coragem para ceder a elas, mas todos sabemos que na vida aprendemos mais com dez dias de agonia do que com dez anos de felicidade. Quando amamos, sentimos um prazer exuberante equivalente ao de um homem dirigindo um carro novo fascinado com seus incríveis poderes recém-adquiridos.

O amor permite saborear raras emoções e perigosas sensações. Entretanto, parece que existem três etapas, três fases no processo de conquista do outro. A primeira, do deslumbramento, dura um dia, um mês, dois meses - se for verão. Desde muito cedo na nossa vida a excitação está misturada com superação de obstáculos. Então, à medida que nos desenvolvemos, vamos criando nosso mapa interno de excitação. Nele estão os riscos que enfrentamos, nossos conflitos, nossas lutas pessoais (“não quero parar de me sentir atraído pelo proibido”). Superar as barreiras é, portanto, o teste da força de atração.

Já a segunda fase pode ser tão curta quanto um telefonema, dependendo dos nossos medos, das nossas dúvidas, ou tão longa quanto forem nossos desejos, nossa fome, nossos sonhos eróticos. Essa fase pode ter um sabor salgado, incrivelmente doce ou doce-amargo.

E a terceira, nunca sabemos se vamos atingi-la ou não, por isso sentimos aquele tipo de medo estranho chamado coragem. Nessa fase, instantânea ou lentamente, cada um vai mostrando seu jogo, pondo suas cartas na mesa, pensando “eu sinto”, “eu quero”, “eu posso”. Os dois vão se abrindo, revelando seus sentimentos, seus pensamentos, e a fronteira entre o permitido e o proibido começa a se dissolver. Mergulha-se no jogo de vai-e-vem, das trocas, do sexo variado, às vezes simplesmente guloso, outras vezes, gourmet. Começa então de fato a descoberta do outro.

Quando amamos de verdade, amamos porque o outro é isto, isso e aquilo e apesar de o outro não ser nem isto, nem isso, nem aquilo. É nessa fase que se quebra a barreira entre fantasia e realidade. Então, quando uma pessoa se percebe sendo aceita por aquilo que é, correspondida, o nível de intimidade vai se aprofundando e ela se entrega. Mas essa entrega não é fácil.

Uma das perguntas que as pessoas se fazem é: “Como pode algo tão assustador ser ao mesmo tempo tão bom?” É preciso muita coragem para viver as incertezas do amor. Por outro lado, é preciso enfrentar o medo, as dificuldades, porque são elas que nos forçam a prestar atenção a nós mesmos e a lutar por nossos sonhos. Não vale a pena só passar de raspão pelo outro, pelo amor. O que queremos é criar uma reação emocional em cadeia para poder abrir os braços até chegar a “esse tanto”.



Maria Helena Matarazzo 


Queen - Love of my life


22 de junho de 2011

Enfrentando a dor da separação




Quem está passando por uma separação sabe bem a dor que isso causa e como é difícil manter o equilíbrio e a serenidade. Nesse momento nos sentimos tão sem valor, que não encontramos forças para fazer algo por nós mesmos. Há uma mistura de sentimentos: culpa, abandono, raiva, medo, rancor, tristeza, frustração, impotência, dor, solidão e não sabemos o que fazer com cada um deles.

Muitas pessoas têm a tendência a negar os seus sentimentos, agindo como se eles não existissem dentro dela. É como se houvesse uma cobrança interna e muitas vezes, externa, de que não se deve sofrer e muito menos, demonstrar seu sofrimento. Como não sofrer quando nos sentimos abandonados em nosso amor, em nossos sonhos? Negar o que sente é o caminho menos indicado, pois se não deixar esses sentimentos virem à tona, reprimindo tudo que sente, eles poderão buscar outra forma de serem expressos, em geral através de nosso corpo. Por isso, por mais que esteja doendo, e em geral a dor é muito intensa, enfrente tudo que sentir. Chore, fique triste, mas permita-se sentir.

Separar-se de quem se ama não é uma tarefa das mais fáceis, ainda que o relacionamento estava sendo destrutivo, ainda que aquilo que você chame de amor venha a descobrir que não era amor. É um momento de muita dor, como se tivessem atingido a nossa própria alma, que agora sangra de tal forma que parece não se cicatrizar nunca. As emoções ficam mais expostas e a razão parece sequer existir. Ficamos totalmente sem defesas e, assim, sem proteção. E o que mais nos pedem é que sejamos racionais.

É comum nessa hora esquecer-se de tudo que causou sofrimento, e do quanto os valores eram muito diferentes. Geralmente a pessoa pela qual nos separamos está muito distante daquela com a qual começamos o relacionamento. Essa pode ser uma das causas da dificuldade em aceitar a separação, pois ficamos sempre esperando que um dia essa pessoa volte a ser quem um dia conhecemos e amamos, ou quem idealizamos. Lembramos tudo que foi vivido de bom, dos momentos agradáveis, das juras de amor eterno, dos sonhos. Mas há quanto tempo será que você já estava sonhando sozinho? Uma relação é feita a dois, lembra-se? Apesar da perda, dos erros e feridas, podemos e, devemos, fazer algo para conseguirmos suportar esse momento tão cruel e que parece não ter fim.

- Não negue os acontecimentos, nem o que sente, nem sua dor. Por mais que esteja doendo, enfrente sua realidade, pois só assim conseguirá transformá-la. Respeite todos os seus sentimentos.

- Resista a tentação de querer se vingar com o intuito de fazer com que o outro sofra tanto quanto está sofrendo. Assuma a raiva que está sentindo por estar passando por isso, e lembre-se que ao ficar pensando nas diversas formas de se vingar, só estará mantendo o sofrimento que tanto quer se libertar.

- Ficar gritando para o mundo do que aconteceu, ligando ou enviando e-mails contando o que aconteceu a todos, não irá diminuir seu sofrimento, só fará com que se exponha para pessoas que nem sempre são dignas de sua confiança. Procure ser cuidadoso com quem irá desabafar para que não ouça mais cobranças além das que você mesmo se faz.

- Procurar um outro amor desesperadamente, ou se envolver com alguém por horas ou dias, também não irá curar sua dor. Poderá apenas amenizá-la,mas quando estiver sozinho novamente com seus pensamentos, tudo irá retornar com a mesma intensidade.

- Perceba se o que está machucando mais é realmente a falta da pessoa que se foi ou o sentimento de rejeição que está sentindo.

- Se havia sofrimento, por que quer voltar? Pense um pouco mais sobre isso. Analise, explore, reflita sobre tudo que aconteceu, considerando a realidade dos fatos e não aquilo que gostaria que tivesse acontecido.

- Evite ter pena de si mesmo. Autopiedade não faz bem a ninguém, nem ficar no papel de vítima, culpando o outro por tudo que aconteceu. Assuma sua responsabilidade na relação.

- Em situações de perda tendemos a ficar inseguros, com a autoestima baixa e sem amor-próprio e assim, sentimos muita dificuldade em fazer algo por nós. Relembre como era sua vida antes desse relacionamento. Quantas coisas não deixou de fazer por você? Quantas pessoas não deixou de ver? Retome sua vida. Pense em algo que o faça se sentir bem e comece a se cuidar com muito carinho.

É nesse momento que poderá perceber a força que há dentro de você, e que o caminho por mais árduo que possa parecer nesse momento, poderá ser tornar muito mais iluminado, se permitir que sua própria luz o conduza!

Rosemeire Zago 
Genesis-I Know What I Like



21 de junho de 2011

Está com raiva de você?




Qual é o sentimento mais destruidor do que a raiva de si mesma? Pense na raiva que você sente dos seus atos impulsivos – falar quando deveria calar, brigar quando o melhor seria serenar, telefonar quando deveria esperar. Pense na raiva que sente ao cometer atos repetitivos – falar, brigar, telefonar, se arrepender... falar, brigar, telefonar, se arrepender.

O problema é que, quanto mais movimento você faz, mais o outro fica paralisado. E isso dá mais raiva ainda! Já reparou que quando você está engasgada, com um monte de coisas para despejar no cara, depois de ter repetido mentalmente todo o roteiro e até falado sozinha durante horas (dias), o cara simplesmente desaparece?

Aí, você vai lá e dá um jeito de cutucar, provocar, desenterrar atitudes ou palavras de que não gostou. E depois de tanto esforço se dá conta de que falou ou brigou sozinha. Isso acontece muito quando a gente acha que está se relacionando com alguém que, na verdade, não está se relacionando com você. Até porque, se estivesse, nada disso seria necessário, já que o ato de relacionar-se é via de mão dupla.

A primeira manifestação de raiva nasce do seu orgulho: “como ele está fazendo isso comigo?”. Então você começa a ruminar, ruminar e não consegue engolir. Ele precisa saber que você está magoadíssima, que vai perdê-la caso continue agindo desse jeito; que, quando você desistir, aí não tem mais volta (ah, ele não me conhece, blá, blá, blá).

Cena dois: você resolve falar ou escrever um e-mail gigantesco, porque, afinal, ele precisa saber que você existe. Contrariado com seu mau humor, sua insanidade, ou ciente de que realmente vacilou, ele se esquiva de ouvir, deixa o celular desligado, fica off line total. Aí vem a raiva que nasce da rejeição, porque suas 23 tentativas de chamar atenção não surtiram efeito. Essa dói, hein? Enquanto você está machucadíssima, desatinada, ele posa de lindo, de homem centrado.Por fim, depois de chorar muito, de o coração doer tanto, você se reequilibra e pensa: “por que fiz isso comigo, por que me esfacelei por tão pouco?”.

Nesse momento vem a raiva de si mesma, esta sim devastadora. É... se a relação a dois já é complicada, imagine a relação a “um”. Essa que você estabelece consigo mesma é perniciosa, cronicamente inviável e muito injusta. No fim das contas, toda raiva brota do orgulho ferido, seja pelas juras de amor não cumpridas, pela impossibilidade de viver uma boa história, seja porque você errou na dose.

Quer saber? É humano, legítimo e dolorido mesmo. E amadurece!


Fernanda Santos 

George Michael - Killer

20 de junho de 2011

Equilíbrio nas relações





Quando decidimos colocar uma pessoa em nossa vida, devemos saber que nossa rotina mudará drasticamente. Tudo se torna novo e, até nos acostumarmos com as novidades, podemos sentir que nosso cotidiano está bagunçado. Depois de um tempo de relacionamento, descobrimos as verdadeiras facetas da pessoa que estamos. Embora possamos querer sempre mostrar nossa verdade, somente com os acontecimentos é que deixamos muitas atitudes aflorar.

É a partir deste momento que nossa relação começa a passar pela transformação crucial. Normalmente, não conseguimos reconhecer o ser amado, pois, uma vez que as emoções começam a serem demonstradas, poderemos ver realmente como esta pessoa é nos momentos em que se desequilibra.

É fácil sentir-se traído e deixar a relação de lado. Também torna-se conveniente abrir mão da relação em prol da autoproteção. Mas a verdade é que não somos perfeitos e devemos aprender a balancear os acontecimentos. Ninguém gosta de agressividade, mas todos temos uma tendência natural a explodir quando nos sentimos agredidos ou acuados. Se aprendermos a ver cada nova situação como um acontecimento isolado, poderemos desenvolver um sistema bastante justo de análise.

Se conseguirmos manter a calma logo após o acontecimento de uma briga ou situação desagradável, podemos analisar friamente a pessoa que está ao nosso lado. Para que uma relação possa sobreviver a estes tipos de acontecimentos, devemos aprender a ver o que está acontecendo no momento presente. Se nosso companheiro está passando por uma situação difícil ou se o que aconteceu foi uma repetição de algo que já o magoou profundamente.

Estes pontos são importantes, pois demonstram que nosso companheiro não se encontra em seu normal. Todos temos fases que nos sentimos com os nervos à flor da pele. Podemos estar mais sensíveis. Se você conseguir identificar um problema que esteja acontecendo fora da sua relação, poderá entender que aquela explosão não aconteceu com você. Foi uma junção de fatores que acabaram fazendo o parceiro ser o alvo de sentimentos que não são para ele. É aqui que devemos olhar todo o histórico da relação e analisá-lo juntamente com nossos sentimentos. Se você tem um maior ponto favorável, se esta pessoa lhe faz mais bem do que mal, vale a pena você compreender o outro lado até para poder ajudar a quem ama.

O amor é feito de compreensão e entendimento. Devemos saber dosar nossas emoções para que nossas relações não sejam baseadas em reações. Quando pensamos e ordenamos nossas idéias, podemos ver a verdade por trás de todas as atitudes alheias. Vale a pena tentar identificar o porquê de se ter uma atitude que nos desagrade. Só assim, poderemos saber se nossas escolhas estão certas ou se devemos partir para um novo começo.

Acredito que depois deste tipo de análise, a melhor atitude para quem decide continuar na relação seja tentar ajudar a pessoa amada. Devemos nos lembrar de que, às vezes, a ajuda pode ser dada através do não-envolvimento. Assim que nosso parceiro acertar o que está lhe afligindo, devemos buscar expor o que estamos vendo e o que as atitudes desta pessoa está fazendo em nossas vidas. Desta forma, poderemos evitar conflitos em momentos errados, mas manteremos nosso bem-estar em primeiro lugar. Se nos lembrarmos de que ninguém é perfeito, poderemos ver um ponto que nos dê a vontade de investir. Uma relação duradoura acontece com várias fases. Se tivermos a sabedoria para lidar com os acontecimentos, poderemos ter a eficiência de nos transformar e às nossas relações.



Liliane Mattoso 


Marillion - Kayleight

 

19 de junho de 2011

Onde foi que perdemos nossa espontaneidade




Recentemente me encantei com a forma que uma criança, de mais ou menos seis meses, expressou-se ao ver uma pessoa que gostava...

Mostrou alegria e contentamento com tanta espontaneidade que era visível o entusiasmo que estava sentido por ver aquela pessoa... e fazia tudo para demonstrar isso na forma que podia... mexendo os bracinhos... sorrindo... e dentro da sua linguagem, fazendo os sons que mostravam claramente sua alegria...

Pensei em quantos de nós, depois de adultos... ainda se manifesta espontaneamente sempre que a presença de alguém ou de alguma coisa lhe toca sinceramente o coração...

Somos sujeitos a tantas regras de comportamento... tantas memórias de dor por termos exposto nosso sentimentos com verdade... que quase sempre essa manifestação espontânea de apreço... de admiração, passa primeiro pelos muitos filtros e... no final, o que sobra pode ser só um cumprimento polido...

Todos querem nos colocar regras para que possamos nos inserir dentro da sociedade... dos grupos... das religiões... e, com isso, não cabemos mais em nós mesmos...

Vamos nos encolhendo daqui... acrescentando ali... para nos adaptar as muitas exigências que fazem para nos incluir nisso... ou naquilo...

Parece que temos que aprender como nos comportar para sermos aceitos como membros dos muitos grupos que andam por aí... só que esse padrão leva em conta regras estabelecidas por outros... e podem podar a espontaneidade e a nossa expressão mais genuína.

Sempre julgamos o outro a partir do nosso limitadíssimo ponto de vista, cujo exemplo somos nós mesmos.... Se alguém faz coisas que fogem ao nosso altíssimo padrão de exigência de como as pessoas devem ser, já excluímos ou taxamos de inadequado.

Porque não observar o outro... assim como observamos uma criança... e mesmo que sua ação fuja aos nossos padrões de normalidade... tentar ver a beleza que existe nas diferenças...

Quanto mais aceitamos o outro, mais aceitamos a nós mesmos porque o outro sempre está... também... dentro de nós.

Que limites estamos julgando estar sendo ultrapassados?

Quem colocou esses limites leva em conta o controle ou a fidelidade à alma?

Vamos seguindo cegamente... tantas coisas... sem nem questionar o que estamos seguindo e quem criou essas regras..

Elas são mesmo o que nos toca o coração ou estamos sendo seguidores cegos de pessoas e ideias que não levam em conta a espontaneidade de cada um... o expressar-se com a alma.

Voltando à criança... como seria bom se ao invés de ensinar a elas o que é feio e o que é bonito... de acordo com as muitas regras duvidosas que aprendemos... tivéssemos o cuidado de não podar o que elas têm de mais puro... tivéssemos o cuidado de não colocar artificialidade e imitação, no lugar da espontaneidade e da alegria natural... de quem se expressa com a inocência... de quem ainda se lembra das estrelas...



Rubia A. Dantés

Stevie Wonder - Isnt She Lovely


 


18 de junho de 2011

Lições de vida


    

Se a desilusão atingir sua alma, devastando seus sonhos e ofuscando novas possibilidades, pense na infinidade de caminhos que podem se abrir para você em apenas um dia, uma hora, um minuto...

Se a frustração acariciar friamente sua face, fazendo-lhe cair diante dos obstáculos, olhe para trás e veja o quanto você já caminhou e o quanto cresceu colhendo em cada trilha amigos sinceros, amores, experiências inesquecíveis...

Se as palavras de insulto e humilhação agredirem a sua integridade, lembre-se de que elas são frutos putrefatos da maldade e da inveja, vire-se e continue a caminhar sem dar ouvidos aos fracos de alma que as pronunciam. Um dia eles entenderão porque são completamente sós...

Se a preocupação com os encargos do dia-a-dia tomar sua mente e enfraquecer o seu corpo, despertando o nervosismo e o estresse, olhe o horizonte e tente descobrir as saídas para os problemas ao invés de lamentar e achar que eles são piores do que realmente são...

Se o vazio e a insegurança invadirem o seu peito, suba em uma cadeira, abra os braços, feche os olhos e repita para si mesmo "Eu posso voar..." Você é capaz de tudo desde que acredite em si mesmo.

Se a solidão sussurrar em seus ouvidos palavras melancólicas, não se esqueça de que em cada dia, em cada instante, você conhece pessoas novas e que uma delas, no futuro, será o grande amor da sua vida, aquela pessoa que te fará acreditar em noites iluminadas, que estará sempre ao seu lado e juntos vocês terão muito a aprender...

Se a tristeza insistir em te acompanhar, saiba enxergar a felicidade nas pequenas coisas da vida, numa conversa com os amigos, na brincadeira com o cachorro, numa paquera em barzinho ou no jogo de damas com seu avô... Rotina é uma palavra que não existe, pois cada dia traz consigo pequenas surpresas e cada pequeno gesto guarda uma imensa felicidade...

E depois de tudo isso, olhe para si mesmo e veja o quão especial você é, imagine o quanto pode fazer pelo mundo e pelas pessoas, valorize as suas qualidades e tente corrigir seus defeitos (o que é realmente difícil) e saiba o quanto é privilegiado por poder caminhar, cair e aprender com os erros,por ser capaz de escrever uma história única,como nenhuma outra...

Pense nisso...

Ouse sonhar, pois os sonhadores vêem o amanhã. Ouse fazer um desejo, pois desejar abre caminhos para a esperança e ela é o que nos mantém vivos. Ouse buscar as coisas que ninguém mais pode ver. Não tenha medo de ver o que os outros não podem. Acredite em seu coração e em sua própria bondade, pois, ao fazê-lo, outros acreditarão nisso também.

Acredite na magia, pois a vida é cheia dela, mas, acima de tudo, acredite em si mesmo... porque dentro de você reside toda a magia da esperança, do amor e dos sonhos de amanhã.


Soraya Souza


Peter Gabriel - Mercy Street

mp3skull.com

17 de junho de 2011

Em vez de por que, experimente perguntar pra que





Em princípio, as duas perguntas parecem muito semelhantes. Porém, se observadas com sensibilidade e sutileza, encontramos entre elas uma diferença essencial: a intenção com que as fazemos!

Perguntamos por quê? Quando estamos vivendo uma fase de conflitos, perdas e frustrações principalmente pelo fato de nos considerarmos injustiçados. Queremos compreender por que a vida ou até mesmo Deus (quanta petulância!) nos colocou numa situação tão dolorosa...

Julgamos, em geral, que existem pessoas bem mais malvadas que nós e, portanto, elas sim mereciam tal castigo. Não nós, que tantas boas ações temos praticado! Não nós, que tanto temos pedido por ajuda e proteção...

E, assim, perdemos a preciosidade contida na dor! Perdemos a oportunidade valiosa de expandir nossa capacidade de viver bem e feliz. Jogamos pela janela a chance sagrada de evoluir e aprender mais uma lição nesta dimensão, que é a mais verdadeira e eficiente universidade que podemos cursar.

Para mudar essa dinâmica, bastaria mudar a pergunta. Ou melhor, bastaria mudar a intenção ao fazê-la. Em vez de insistir na lamentação e se estagnar no papel de vítima, poderíamos aceitar o convite para um novo aprendizado.

Em vez de resistir e repetir indefinidamente por que comigo? Por que justo agora? Por que com essa pessoa, que é tão boa? Por que de novo? Experimente perguntar pra quê? Ou seja, qual é a lição contida nesta perda, nesta dor, nesta frustração?

Definitivamente, a vida é um imenso quebra-cabeça, com mais de 7 bilhões de peças. Somos, cada um de nós, uma dessas peças. Será mesmo possível compreendermos por que algo acontece aqui e agora, justamente com essa e não com aquela pessoa?

Será mesmo possível nos darmos o direito e a competência de julgar um evento isolado, sendo que não temos a visão do todo? Sendo que estamos muito longe de conseguir avaliar o quanto esse acontecimento vai interferir no cenário final desta imensa figura desenhada pela espécie humana?

A mim, parece prepotência demais! Então, prefiro me ater ao que posso e ao que me parece que a grande maioria de nós pode: cuidar de si e daquilo que interfere à sua volta. E se considerarmos que a atitude de uma única pessoa pode influenciar outras cinco ao seu redor, talvez comecemos a compreender qual é a matemática, ou melhor, qual é a resposta que vale a pena buscar!

Pra que ter um pouquinho mais de paciência com esse momento difícil? Pra que dar um pouco mais de si na harmonização de um conflito? Pra que ser um pouco mais colaborativo num momento de reajustes e mudanças? Pra que ter um pouco mais de fé numa situação de perdas? Pra que, enfim, ser um pouquinho – só um pouquinho que seja – mais gentil que antes?

E daí, sim, poderemos descobrir, de fato e na prática, que cada dia é uma página de exercícios no grande livro que é a história de cada um... E esta é a sua parte: fazer uma página. Apenas uma. A de hoje, a de agora, pra que fique bem claro que existe uma única resposta a todos os porquês: porque tudo é exatamente como tem de ser! Tá tudo certo quando fazemos a nossa parte da melhor forma que podemos!


Rosana Braga 


Cat Stevens - Wild World


16 de junho de 2011

O que é de fato a experiência?


 
A experiência é o meio mais concreto para se adquirir uma confiança, correto? Na verdade, a experiência é uma forma de conhecimento direto, que se confirma por si mesmo. A experiência é o verdadeiro conhecimento, o que não exige e nem envolve crença, pois o conhecimento exclui qualquer necessidade de acreditar.

Um exemplo interessante é a analogia do fogo. Se puser a mão na chama não precisa acreditar na dor, não é preciso existir a crença na dor para que a dor apareça. A dor é experimentada. É imediata, direta, e ela vem com uma intensidade que se antecipa às crenças e interpretações intelectuais.

Sendo assim, deixa a crença em segundo plano. Ao colocar a mão no fogo, você não precisará crer na dor para que ela exista, a dor vem logo de imediato quando você coloca a mão na chama, a dor vem antes que a mente prepare a sua crença ou interrogações sobre a mesma.

Não vejo tanta solução se pedirmos para as pessoas acreditarem na vida ou nelas mesmas. Tenho experiências de pessoas próximas, que sempre recebem sugestões de fé e crença e, mesmo assim, mesmo com argumentos sólidos e lógicos, elas não conseguem acreditar e seguir o seu caminho, o caminho que elas próprias podem encontrar.

É preciso viver, é preciso experienciar. É a experiência que abre a consciência e isso não é questão de ser cético ou crente, pois quando ambos experienciam algo, a sua fé se torna inabalável.

Quando você se permitir viver isso, você irá perceber que a conquista de uma confiança jamais foi a busca por uma crença. A verdadeira confiança é a busca da concepção de algo que é inexplicável.

Lembre-se que acreditar é diferente de confiar. E viver é viver a vida na sua plenitude. Será a sua experiência, não será nada emprestado dos outros. Você tem a certeza porque você viu e viveu aquilo, como agora será desacreditado? A verdadeira fé é aquela que encara a razão face a face.

Essa é a diferença entre a crença e a confiança. A crença só é sugestão, o que pode ser. Toda crença existe porque existe a dúvida. A dúvida está sempre onde a crença é criada. Mas a confiança vem de dentro, ela é provada por você, ela é vivida e nada pode derrubá-la. Você não está na ignorância e se a confiança vem de dentro, do viver, só ela pode mudar o seu interior. A crença vem dos outros, da cultura, vem de fora, como ela poderá atingir o seu interior e modificá-lo? É no seu interior que está a dúvida e é no seu interior que a confiança surge, porque a mudança real é interna e não externa. Viver é mais que o saber.

Para Jung, o pai da psicologia transpessoal e criador da psicologia analítica, é necessário desconfiar de uma sabedoria que não é fruto da reflexão e da maturidade obtida pelos próprios esforços.

Osho, graduado em filosofia e um dos homens mais conhecidos e provocativos do século XX, disse que a verdade não pode fazer concessões, pois assim deixa de ser verdade. E a verdade não é uma crença, mas uma experiência. Osho nunca pede às pessoas para acreditarem no que ele diz, mas, ao contrário, pede que experimentem e percebam por si mesmas se o que ele está dizendo é verdadeiro ou não. Ao mesmo tempo, ele é implacável ao encontrar meios e maneiras de revelar o que as crenças de fato são, meros consolos para amenizar nossas ansiedades frente ao desconhecido e barreiras para o encontro de uma realidade misteriosa e inexplorada.

A questão que você pode observar é que as experiências vão além dos limites da razão e que foram a ênfase de grandes homens como Lao-Tsé, Osho, Buda, Jung, Platão, Dalai-Lama, Sócrates e tantos outros.

Confiar é a chave. Vá à busca. Viva, experimente, e perceba por si mesmo se o que eu estou dizendo é verdadeiro ou não. Só assim você estará completo consigo mesmo.



Marcelo Vinicius


Santana - Europa

15 de junho de 2011

A lição das camareiras




 
Prestei atenção nas imagens das camareiras de Nova York, que vaiam e xingam Dominique Strauss-Khan quando ele desce de uma limousine para comparecer ao tribunal onde responde a uma acusação de estupro. O retrato marca uma virada na história.

Fiquei emocionado só de olhar para aqueles rostos duros, com raiva. Prestei atenção nos músculos, nos dentes, nos olhos, nas mãos.

Nós sabemos que pode-se medir o grau de civilização de toda sociedade pelo tratamento que reserva às mulheres.

As camareiras de Nova York mostram que o mundo mudou. Lembram que mesmo nos escalões menos protegidos da sociedade não é mais possível atacar nem humilhar mulheres com certeza da impunidade. Sua dor e sua raiva espalha-se pelo mundo, chega a nossas casas, inspira conversas e reações de repúdio. Olhando para aqueles rostos, imaginei: quantas entre elas passaram pelo mesmo sofrimento? Quantas sofreram apenas de pensar no risco?

Mesmo pobres, em busca de muitos direitos, a palavra dessas mulheres já não pode ser ignorada nem distorcida para atender as conveniencias de quem reside na outra calçada dos generos humanos e em outro patamar da pirâmide social.

Há pouco tempo era possível encontrar pessoas capazes de sustentar a tese criminosa de que não existe estupros — apenas mulheres que não souberam ou nem quiseram resistir como era preciso. É inacreditável mas é verdade.

O processo de Strauss Khan pode se tornar exemplar em função deste aspecto. Os estupros sempre foram praticados e perdoados, no mundo inteiro, graças a um cotidiano de massacre moral das mulheres, pelo esforço permanente para diminuir sua credibilidade, negar o direito de decidir sobre seu corpo e até fazê-las sentir vergonha por seu sofrimento.

Nós sabemos que, em qualquer área da existência humana, o melhor remédio para se enfrentar um crime não são cursos educativos, nem discussão sobre valores morais — mas a certeza da punição.

É certo que toda pessoa tem direito a ser considerada inocente até prova em contrário. O caso também possui aspectos políticos que não podem ser ingorados.

A denuncia contra Strauss Khan, porém, é fortíssima e detalhada. Momentos depois do ataque, quatro funcionários que exercem funções diferentes no hotel de luxo em que ele se hospedara conversaram com a camareira fez a acusação de estupro. Ela estava descontrolava, chorava sem parar, vomitava, e ainda assim fez um relato detalhados e coerente do que ocorreu.

Paulo Moreira Leite

B.J.Thomas - Raindrops Keep Falling On My Head





14 de junho de 2011

O erro de educar ensinando amor incondicional



Aceitar atitudes inadequadas das crianças é não querer que elas cresçam fortes e independentes. É também não prepará-las para a realidade da vida adulta.

É fácil compreender as razões pelas quais quase todos nós nos perdemos como educadores. As descobertas da psicanálise acerca da importância dos primeiros anos de vida nos deixaram com muito medo de provocar traumas irreparáveis em nossos filhos. Preferimos, então, errar por falta de rigor do que por excesso de rigor. Para não traumatizarmos as crianças, passamos a temer até mesmo decepcioná-las e frustrá-las; coisa que elas percebem como fraqueza e tratam de abusar de nossa insegurança.

Agora, o que não pode continuar a acontecer é a passividade diante do fato de que temos que educar os nossos filhos. Não podemos nos acovardar diante dessa responsabilidade apenas porque nos tornamos mais conscientes dos riscos que corremos. Seria a mesma coisa que os médicos se recusarem a fazer cirurgias apenas porque existe o risco de insucesso e mesmo de morte do paciente. E algumas coisas que me parecem indiscutíveis: temos que transferir a cada nova geração os princípios morais mínimos que regem a nossa vida em comum; temos que lhes ensinar a ter os hábitos de higiene que aprendemos e que são tão importantes para a boa saúde; temos que lhes transmitir o conhecimento essencial acerca da língua, da matemática, das ciências, enfim, de tudo o que a nossa espécie com tanto sacrifício conseguiu colecionar como saber, ao longo de milênios de civilização.

Podemos discutir qual é o melhor caminho para que a educação seja a mais eficiente e menos frustrante possível. Podemos discutir que tipo de método a escola deveria usar para transferir o conhecimento às crianças; mas não podemos transigir diante da necessidade de que isso aconteça. Não é razoável que os jovens cheguem à universidade sem saber sequer escrever a sua língua. Isso não vai levar a nada, tanto na vida pessoal deles como do ponto de vista da coletividade. Podemos discutir se castigar condutas inadequadas é ou não mais eficiente do que recompensar aquelas que são consideradas como adequadas.

Mas não podemos deixar que nossas crianças cresçam negligentes quanto ao fato de que existem outras criaturas sobre a Terra e que estas outras têm iguais direitos que devem ser respeitados. Não podemos ficar indiferentes ao desrespeito das crianças em relação às outras pessoas em lugares públicos, tais como restaurantes, aviões, praias etc. Não podemos tolerar crianças que não escovem os dentes, não tomem banho, não cuidem de seus pertences pessoais, nem ajudem os adultos em todo o tipo de tarefa quando isso se faz necessário; que não tenham rendimento escolar digno de sua inteligência.

Aceitar passivamente atitudes inadequadas das crianças é não querer que elas cresçam fortes e independentes. É não prepará-las para a realidade da vida adulta. É, pois, uma extrema maldade para com elas, que ficarão condenadas à eterna dependência em relação aos pais. E não são poucos os pais que superprotegem, absolutamente conscientes de que isso irá fazer com que seus filhos não evoluam. Querem é isso mesmo, pois não os criam para o mundo e sim para si mesmos. Agem com um egoísmo sem precedentes, disfarçado em tolerância e generosidade. Transmitem aos seus filhos a ideia de que o amor dos pais por eles é incondicional; ou seja, que os filhos não têm que ter comportamentos dentro do que se considera adequado para que sejam amados. São amados pelo simples fato de que são filhos; e pronto.

É claro que uma atitude desse tipo tira dos pais todo o poder de educar, uma vez que o que as crianças mais temem é justamente a perda do afeto dessas figuras que tanto lhes são essenciais. Se vão ser amados de todo o jeito, porque não fugir da escola, roubar dinheiro do vizinho e mais tarde usar drogas que prometem felicidade fácil?

A meu ver, a maior maldade que está presente nesta noção de que os pais têm que amar os filhos incondicionalmente é que ela não terá continuidade. Na vida adulta, os namorados, amigos, conhecidos e colegas nos amam apenas quando não ofendemos suas convicções e não desrespeitamos seus direitos. 
Quando os jovens educados dentro dessa ideia do amor incondicional perceberem que suas atitudes inadequadas afastarão as pessoas de perto deles, aí sim serão fortes para desenvolver raiva e revolta contra seus pais, que os iludiram, que mentiram para eles ao prometer um mundo que não existe. É possível que alguns pais – especialmente mães – amem seus filhos incondicionalmente enquanto sejam bem pequenos. Mas com o passar dos anos o amor deixa de ser uma coisa só física e passa a depender da admiração. Quem não se empenhar para despertar a admiração, não será amado nem pelos pais nem pelas outras pessoas. 


Flávio Gikovate


Italian Song - Vangelis