29 de abril de 2012

Amor na era digital: você tem gosto de quê?






Ah, não sei, não. O tempo do relógio não dá mais conta desse mundo. Você acorda e está lá: a cada dia uma nova invenção tecnológica é criada para enganar o deus Chronos. Olhamos pro lado e os bluetooths, wirelles, infra-vermelhos e conexões via satélite invadem nossas vidas e nos conectam com o planeta Terra num piscar de olhos. Palavras navegam por terra, água e ar e aparecem em tempo real para diminuir a distância e a solidão. Você liga o computador e: - Olá! Seu sorriso é visto do outro lado por uma webcam que te responde via Skype: - Bom dia! E assim seguimos: enviamos e-mails, falamos bobagens pelo Orkut, lemos blogs, usamos o Google para tudo o que não sabemos, compomos, namoramos e trabalhamos pelo MSN, montamos fotologs, compramos livros e Havaianas on-line, mandamos mensagens com fotos para o celular de amigas distantes, dizemos “eu te amo” com a velocidade da luz (não é esse o tempo de apertar “send”?). É, parece que, de repente, tudo que parecia estar longe, ficou mais perto. E confesso. Sou contraditória. Sou metade hippie, metade filha da família Jetsons (lembra daquele desenho onde a faxineira era robô?). Pois é. Quer me entender? Nem tente. Quero pé na grama e muita tecnologia! Já me vi perguntando a mesma frase várias vezes e acho que virou mania: moço, tem entrada pra USB? Resposta positiva? Alivio!! Minha vida está salva por um décimo de segundo! Vamos respeitar: existem futilidades tecnológicas deliciosas e quem disser que não, nunca sentiu o prazer inenarrável de andar pelas ruas de ipod como se fizesse parte de um clipe imaginário. Ou nunca pôde viajar pro meio do nada com um laptop, sabendo que poderá conectar-se à internet (mesmo que lenta) e mandar seu trabalho em tempo hábil, enquanto enterra os próprios pés na areia. Mas... TRIM! Nova mensagem de voz. Leio e me perco. O que será que me fez escrever esse texto cheio de bytes e palavras que se auto-corrigem? Hum... O coração avisa: é o vazio. Mesmo com essa rápida conexão que liga o mundo, eu nunca senti as pessoas tão desconectadas. Não só de si mesmas. Mas dos outros. Parece que a carência avança na mesma rapidez que a tecnologia progride. Muitas vezes preferimos manter relacionamentos com pessoas que juramos conhecer muito (mas que moram em outro hemisfério) sem ao menos sorrir pra aquele vizinho interessante que esbarrou em você. Eu não sou contra relações à distância, muito menos virtuais, cada um sabe de si e ninguém nunca vai entender o amor (graças a Deus!). Eu também não sou antropóloga, socióloga, psicóloga, nem perita em assuntos do saber. Eu apenas sinto. E o que sinto é que o mundo anda carente. Carente do real. Sem poses, frases copiadas e fotos corrigidas em photoshops Vem cá: a quem a gente quer enganar? Do quê a gente quer se esconder? Muito melhor usar a tecnologia a nosso favor e tomar apenas cuidado para não usa-la como barreira para camuflar nossos medos e defeitos. Afinal – vamos ser sinceros!- cheiro é cheiro, beijo é gosto, pele é química e eu não vou saber se te quero porque sua imagem de 480 pixels me deixou de boca aberta. Ah, não mesmo! Eu quero te provar. Literalmente. Palavra por palavra. Beijo por beijo. Frase por frase. Ao vivo e a cores.

(Sorte nossa que a tecnologia ainda não conseguiu plugar o coração).

Fernanda Mello

22 de abril de 2012

Felicidade

O que me faz feliz? É possível sofrer e manter um estado de felicidade? É melhor sofrer ou dopar o sofrimento para ser feliz mais rápido? Ou ainda, existe felicidade fast-food? É possível me sentir feliz se assumo posicionamentos ou atitudes não éticas? Prazer e felicidade são a mesma coisa? Andam juntos? Onde está a felicidade? Ou, o que é a felicidade?

Perguntas que todos já nos fizemos ou que nos fazemos constantemente...
Mas também filósofos, psicólogos, religiosos, antropólogos, sociólogos, políticos, educadores, jornalistas e até economistas já escreveram sobre o tema, já pesquisaram o tema e buscaram respostas.

Uma coisa em comum, os mais atuais concluem: vivemos em tempos de pouca felicidade. A tecnologia, os avanços científicos, da comunicação ou políticos não trouxeram ainda ao homem e à mulher um estado permanente de felicidade.

Nosso planeta é local de grande beleza, de imensas diferenças e semelhanças, num equilíbrio dinâmico e intenso. Mas também é palco de muito sofrimento. Não somente o causado pelo homem e pela mulher. Mas também, aquele resultante do viver. Nosso corpo sente dor, fome, frio, calor, coceira, sede, pode sentir angústia, tristeza, raiva, medo. Sim, nosso corpo sente. É um corpo emocional, bioquímico, repleto de hormônios que alteram nosso humor dependendo do que comemos, bebemos, fazemos, sofremos.

Sofrer faz parte do viver, ensinam os budistas. A filósofa francesa Chantal Thomas, em seu livro Souffrir diz que "sofrer de amor nos torna invencíveis".
Há sofrimentos que necessitam de tratamentos médicos, psicológicos ou psiquiátricos, o que é diferente de "dopar" o sofrer. Isso não nos traz felicidade, somente um descanso temporário, às vezes, até indicado para nossa recuperação. E quando sofremos o que fazer?

Segundo Chantal Thomas, sofrer sem perder o sentido da vida, aproveitando o que de melhor a vida nos pode oferecer, ajuda-nos a superar o sofrimento e a nos fortalecer.

É preciso enfatizar que prazer e felicidade também não andam sempre juntos, ensina Sua Santidade Dalai Lama em seu Best-seller: A Arte da Felicidade.
Há muitas coisas que dão imenso prazer e causam muita infelicidade para nós mesmos ou para os outros.

As drogas, de forma geral, são muito prazerosas e causam destruição da personalidade, do grupo social onde o indivíduo está envolvido, quando não sua morte, além de financiar o crime organizado no Brasil e no mundo. Isso só como um exemplo.

Um remédio como a quimioterapia, por outro lado, é desagradável de se receber, de se ingerir, traz mal-estar momentâneo, mas sempre que possível traz consigo a cura ou sua probabilidade, gerando no mínimo esperança, e esta esperança pode alicerçar a felicidade de alguém.
Portanto, quem busca no prazer sua fonte de felicidade pode ter pegado a estrada errada.
Agora, como pode pretender o homem e a mulher serem felizes sem serem éticos? Falo aqui da ética da amorosidade, esta a mais esquecida das éticas, esta ética a qual Sua Santidade Dalai Lama dedicou um livro: "Uma ética para o novo milênio".
Não há felicidade possível sem ética, aquela construída pelo respeito a todo o senciente, com altruísmo, com compaixão e ternura, com responsabilidade por nossos atos e opiniões.

O homem e a mulher não éticos são também não coerentes, e essa incoerência gera conflitos imensos em suas mentes que impedem a possibilidade da felicidade.
Na prática da crueldade, há muito poder e prazer. O que gera uma falsa sensação de felicidade.
Na prática da tolerância e da compaixão, pode haver uma sensação irreal de fraqueza ou de perplexidade, mas o estado íntimo, de vitória sobre si mesmo, leva à conquista de um estado de espírito feliz.

Aristóteles caracterizava a felicidade como um objetivo visado por todo ser humano e esta felicidade também poderia ser entendida como um bem-estar, principalmente, com relação a algo que se realiza. Para este filósofo, a noção de felicidade é central à ideia da ética, porque ela só ocorre quando se obtém algo que foi bem feito, correspondente à excelência humana e esta seria dependente de uma virtude ou de uma qualidade de caráter que tornasse possível sua realização. Assim, acreditem, ética e felicidade andam de mãos dadas.

Por fim, não posso deixar de dizer que felicidade, como ensina o filósofo, educador, teólogo Rubem Alves, anda onde está o menino que vive em cada um de nós... Porque responsabilidade e seriedade nada têm a ver com sisudez, ranzinzices ou mau humor. Ensina-nos Rubem Alves que quando nos tornamos adultos e vestimo-nos como tal, às vezes, começamos a nos comportar de um jeito mal-humorado, chato, aborrecido e isso, segundo o autor, é uma doença grave chamada adultice, e para se curar só tomando chá de criança. Aí, dá-lhe subir em árvores, chupar fruta no pé, balançar, dançar, correr, chutar bola, brincar. Esse Rubem Alves sabe das coisas.

Mexer o corpo, mexer a mente entediada. Suar de brincar, de rir, de rolar no chão com o filho, o cachorro, na areia da praia. Voltar a pulsar, a viver. Para ser feliz, deixe o corpo voltar a pulsar, para sentir o prazer de viver. Volte a olhar para aquele que está do seu lado ternamente, põe doçura de novo no seu olhar. Deixe sua alma voltar a amar e a ter esperança nessa sua vida.
Volte a ser pequeno por dentro. Tenha coragem... Não tenha vergonha.

Para ser feliz é preciso de pouco. Precisamos gostar muito de nós mesmos, da vida e dos outros. Manter a fé e a esperança acesas. Pulsar. Respirar. Ser ético. E claro, manter o melhor de nós vivo em cada ação, em cada pensamento: a criança que vive e saltita dentro de nós.

Thais Accioly


10 de abril de 2012

Não se estresse com problemas que não são seus...



Já deve ter acontecido com você, ou pelo menos já ouviu alguém comentar que está se sentindo irritadíssimo com o comportamento de determinada pessoa, seja no trabalho, em casa ou entre amigos.

Em geral, é com quem a gente mais convive que, de repente, começa a se sentir incomodado com determinadas atitudes e certos comportamentos. E quando isso acontece, a tendência é que você passe, mesmo sem querer, a observar ostensivamente tudo o que a "irritante" faz. É como se estivesse programado para flagrar aquilo que considera todas as suas mais descabidas e absurdas atitudes.

A partir de então, para começar a se sentir profundamente incomodado com o fato de estar no mesmo ambiente que a "dita cuja", não demora quase nada. E lá se vão seus dias de paz. Ir para o trabalho ou voltar para casa se transforma numa tortura e, consequentemente, seu rendimento e sua criatividade ficam visivelmente comprometidos.

Se essa pessoa que está incomodando for da sua equipe, certamente terá de fazer uma autoanálise crítica, tentar ser o mais justo possível e, se for o caso, conversar com ela ou com seu superior para tentarem encontrar uma solução consensual e saudável para todos.

Certo dia, uma mulher me procurou para contar que já não sabia mais o que fazer porque seu chefe, o dono da empresa, contratou a própria filha para trabalhar na empresa e, para seu desespero, colocou a menina para ser sua assistente.

Acontece que ela chegava tarde, não saía do telefone, às sextas nem voltava do almoço e parecia bem pouco interessada em assisti-la. No frigir dos ovos, ela nem ajudava e nem atrapalhava, mas o fato é que essa mulher passou a se sentir profundamente irritada com a presença da "filhinha do papai". Seus dias se transformaram, por conta desta irritação, num verdadeiro inferno, como ela mesma me descreveu.

Chegou a ponto de ter de se consultar com um médico, porque passou a sentir dores de cabeça e de estômago praticamente todos os dias. Recorreu a mim na esperança de que eu lhe desse uma receita de como proceder nesta situação.

A questão era delicada, sem dúvida. Mas o que mais me chamou a atenção foi o fato de, no final das contas, ela não estar sendo diretamente prejudicada com a presença da garota lá. Bastaria que ela simplesmente cumprisse suas obrigações e se mantivesse tão indiferente à "filha do chefe" quanto ela vinha se mostrando a todo o contexto.

Sugeri que refletisse sobre por que as regalias que a menina tinha a incomodavam tanto. Ela argumentou que era porque a situação era injusta e desigual. Então, pedi para que se perguntasse por que era tão difícil lidar com essa desigualdade, que era um fato, à medida que a menina ocupava o lugar de filha do dono da empresa. E ela terminou concluindo que, no fundo, no fundo, vinha se sentindo explorada, pouco valorizada e sem nenhum benefício dentro da empresa.

Sendo assim, aconselhei-a que conversasse com seu chefe e declarasse sua insatisfação, mas citando única e exclusivamente as suas queixas, sem tocar no nome da filha dele. Afinal, ela não era um problema seu. O resultado do diálogo foi liberador e compensador, aliviando completamente a tensão antes existente no ambiente de trabalho.

Enfim, muitas vezes, é bastante inteligente focarmos em problemas reais, caso eles existam, e, ademais, usarmos aquela assertiva tão usual entre os adolescentes: "ema, ema, ema... cada um com seus problemas". Senão, a gente termina desperdiçando vida e felicidade desnecessariamente.




Rosana Braga 



9 de abril de 2012

Desconstruindo preconceitos




Há um discurso dominante nas mídias hoje em favor da eliminação dos preconceitos e que parece ser uma tendência para os dias futuros na construção de uma sociedade pautada na convivência pacífica das diversidades. No entanto, a vivência dos conceitos pré-concebidos é incrivelmente arraigada nas consciências individuais e coletivas. Compreender o peso de cada uma dessas polaridades pode ser útil para nos situarmos enquanto indivíduos em busca de maior consciência de nós mesmos e do mundo que nos envolve. 

A vida em sociedade é feita da construção de laços afetivos. É o afeto que molda o esquema das atrações mútuas, facilitando o florescimento daquela energia maior a que chamamos de amor. Tanto o amor quanto o afeto não nascem da razão, da objetividade e nem das concepções mentais que possamos ter construído ao longo da vida. Eles são fruto da sensibilidade humana. Quando abrimos a consciência para aceitar as sensações e as intuições que vêm de nossa psique profunda, passamos a compreender o quanto são limitados os conceitos construídos e arquitetados no plano egoico. Tais conceitos, no entanto, têm grande valor quando associados à esfera produtiva do conhecimento, quando, por exemplo, estão a serviço do paradigma científico, na pesquisa, na observação direta da realidade como experienciação. Mas também podem construir esquemas limitadores, criando amarras à própria evolução individual no plano dos afetos. É quando o conhecimento abre mão da clareza e se torna vítima das ideias preconcebidas, e o preconceito encontra vasto território para se alastrar. 

Quando frequentamos as redes sociais na internet, a expressão das forças do preconceito e da aceitação da diversidade parece ser bastante intensa. Neste universo virtual, os extremos acabam se tocando e percebemos o quanto estamos alimentando velhas guerras e guerrilhas em favor de uma ou outra concepção de mundo. A barreira que na vida cotidiana é construída para esconder nossos defeitos (as várias personas que desenhamos para mostrar que somos pessoas socialmente aceitáveis à vista de todos), no mundo virtual fica transparente e até desaba de vez. Comunidades virtuais que propagam o ódio a isto ou aquilo, postagens de textos e imagens procurando reforçar o aspecto negativo de ter uma religião, ataques diretos à opção sexual são as pontas de um iceberg em que a sociedade vê refletida a sua própria Sombra. 

Ao não compreender os próprios impulsos interiores, o indivíduo se deixa envolver numa teia de sentimentos e pensamentos que moldam ideias fixas, imagens consteladas que passam a servir de modelo explicativo, tornando-se muitas vezes os fios condutores da própria atitude de vida sem conexão com a verdade mais profunda de seu próprio ser. Neste contexto, os moldes criados pela doutrina religiosa reforçam a criação de todo tipo de preconceito. Na tentativa de libertar o homem das amarras limitantes do ego, acabam amarrando o próprio homem na falta de compreensão maior da diversidade das manifestações de sua própria individualidade, como no caso da sexualidade. Como gerar amor diante de uma atitude de preconceito? Da mesma forma, o olhar do não religioso (ou do ateu) sobre as manifestações religiosas também gera dificuldades para compreender o fator positivo que as várias "igrejas" representam no desenvolvimento da espiritualidade individual. 

Ser religioso ou ser ateu, ser hetero ou ser homossexual, ser branco ou ser negro não são questões fundamentais para o estabelecimento e a construção dos afetos. Conduzir a vida a partir de um molde ou um rótulo é um risco à paz individual e coletiva. Olhar a própria sombra e nela enxergar a própria limitação e os próprios potenciais são um caminho inicial para a construção de uma sociedade em que os preconceitos sejam realmente coisas de um mundo primitivo, que ainda estava descobrindo a profunda riqueza das diversidades culturais, existenciais, individuais, humanas, enfim.




Camilo de Lelis Mendonça Mota 




4 de abril de 2012

Querer é mesmo poder?




As pessoas mais persistentes acabam indo mais longe do que aquelas que ora querem uma coisa ora querem outra. Mas não basta ter um projeto em nossa mente para que ele se concretize. 

A afirmação “querer é poder” pressupõe a concepção de que a vontade da nossa razão é soberana. Ela admite que basta que nossa mente construa um projeto e passe a perseguir esta meta para que todo o resto do organismo a siga. Assim, as pessoas não alcançariam um determinado resultado, não porque o querer não seja suficiente, mas porque o querer delas não seria bastante forte. Não desprezo, em hipótese alguma, a eficiência da razão e a importância de se querer muito uma coisa ou uma situação, para que se tenha mais chance de chegar lá. Não desprezo também os chamados poderes paranormais da mente, de tal forma que é possível que o “querer muito” abra portas para que um determinado evento aconteça. 

Porém, acho fundamental fazermos algumas ressalvas a respeito desse assunto. A primeira delas é que não se deve incluir no “querer” coisas ou atitudes que dependam da vontade de outras pessoas. Por exemplo, posso querer muito ganhar num jogo de bingo domingo no clube. É possível até que a força da minha razão aumente as minhas chances de isto acontecer. Mas não acho que se possa querer muito que uma determinada moça – ou rapaz – passe a se interessar pela gente. Tenho todo o direito de tentar me aproximar das pessoas que despertam em mim a admiração e o interesse. Mas tenho o dever de respeitá-las, de modo que não me resta alternativa senão me afastar quando não encontro reações favoráveis à minha aproximação. Quando se trata dos direitos das outras pessoas, querer não é poder. Não posso dizer: “Tudo o que eu quero eu consigo” quando este “tudo” é um ser humano. 

Na realidade, as pessoas sempre tomam o cuidado de querer coisas até certo ponto possíveis. Caso contrário seria óbvio que querer não é poder. Querer ter um helicóptero está longe de adquiri-lo! Agora, as coisas materiais – e outras conquistas que não sejam as de seres humanos – nos chegam mais facilmente quando a queremos com fervor e persistência. Ou seja, as pessoas mais determinadas e que mudam menos de opinião, acabam indo mais longe que aquelas que ora querem uma coisa, ora querem outra. Esta última atitude, que é a mais comum, acaba por provocar uma dispersão de energia psíquica, de forma que é bem menos provável que se atinja resultados muito positivos. É o que se quer transmitir quando se fala da mula que ficou indecisa diante de dois montes de feno. Não sabendo qual dos dois comer, acabou morrendo de fome! 

A ressalva mais importante que eu queria fazer é a de que não são raras as situações nas quais se quer muito um determinado resultado, mas não se tem condições emocionais para sustentá-lo. Eu posso querer ser promovido rapidamente para a direção da empresa onde trabalho. Mas é preciso ver se tenho competência emocional para arcar com este grau de responsabilidade e de obrigações. É preciso ver se eu posso assumir o cargo que tanto quero. Se não estiver pronto para ele, isso poderá me pesar tanto que não será incomum que eu venha a ter, por exemplo, minha saúde arruinada. O indivíduo que está numa posição que “quer”, mas não “pode” sofre de insônia, dores de estômago, dores de cabeça fortíssimas, palpitações cardíacas, falta de ar e, em situações extremas, poderá até mesmo chegar a ter um infarto do miocárdio ou um derrame. Estar maduro para assumir uma determinada função significa ter a competência técnica necessária e também estar psicologicamente apto às responsabilidades e tensões próprias daquele cargo. 

Existe a possibilidade, portanto, de acontecer que a gente deseje muito uma coisa ou situação e ainda não possa ter ou estar nela. Nesses casos, querer definitivamente não é poder. Será necessário um grande trabalho interior para que se processe o desenvolvimento íntimo que criará as condições para o exercício daquilo que se quer. 

A situação mais importante em que isso costuma acontecer é no amor. Muitas pessoas encontram um par com o qual se identificam muito intensamente. Nesses casos, se desenvolve um encantamento amoroso de forte intensidade, coisa que é do enorme agrado da razão. As pessoas assim, apaixonadas, querem muito ficar o tempo todo umas com as outras. Mas começam a ter várias reações emocionais que denunciam que ainda não são competentes para a realização do seu desejo amoroso. Começam a ficar com muito medo de que alguma coisa ruim irá acontecer. Começam a ter ciúmes desproporcionais aos riscos. Começam a procurar pelo em casca de ovo, ou seja, pretextos menores para justificar a falta de coragem para ficar juntas. Perdem o sono e o apetite, ficam muito nervosas, não pensam em outra coisa, ficam completamente obcecadas pelo assunto e não conseguem se decidir por coisa alguma. 

Esses dados indicam que ainda não estão emocionalmente preparadas para uma relação amorosa de grande intensidade. Terão que andar mais devagar e ir se acostumando aos poucos com a nova situação, de modo a um dia estarem em condições de “poder” agir conforme seu “querer”. 



Flavio Gikovate



3 de abril de 2012

Entre agradar o outro e ser você mesmo...






Quando iniciamos um relacionamento, é muito natural tentarmos agradar o outro. Afinal, é a fase da conquista, é tempo de cativar um coração desconhecido. Para isso, é preciso que haja identificação, harmonia, desejo de se manterem por perto...

No entanto, também é muito natural que, com o passar do tempo, cada um comece a revelar seus desejos e seu modo de ser, e nem sempre o que um quer e faz é o mesmo que o outro gostaria ou faria. São duas pessoas que, por mais que se descubram interessadas mutuamente, têm histórias, valores e gostos diferentes.

Algumas pessoas, ao perceberem que de algum modo desagradaram ou decepcionaram o outro com sua atitude, escolha ou com a simples expressão de si mesmas, sentem-se inseguras e com medo de que a relação termine. Assim, decidem relevar essa vontade para considerar a vontade do outro.

Sem dúvida, saber ceder é uma qualidade admirável. Aliás, cada vez mais rara, eu diria. Mas é preciso compreender, antes de qualquer coisa, a diferença, a sutil diferença entre ceder conscientemente e anular-se, subjugar-se e não ocupar seu lugar nos relacionamentos.

Em outras palavras, o fato é que, numa relação, é preciso aplicar a famosa regra do nem 8, nem 80. Isto é, equilíbrio é o segredo. E embora nem sempre seja fácil praticar o equilíbrio, especialmente porque os resultados também dependem do bom senso do outro, eu diria que com bastante diálogo e disposição para o amadurecimento, é possível.

Dito isso, penso que o verdadeiro problema nessa questão sobre agradar o outro ou ser a gente mesma é mais profundo. O buraco é mais embaixo. Acontece que muitas pessoas têm afogado seus desejos, ignorado seus sentimentos, tapado os ouvidos para sua intuição e fechado os olhos para si mesmas não como demonstração de maturidade e equilíbrio e, sim, justamente o contrário: como demonstração de imaturidade, desajustes internos e de uma enorme urgência em se rever antes de tentar agradar o outro, seja esse outro quem for.



Até porque, convenhamos, uma pessoa que termina fazendo tudo o que outro quer, está bem longe de ser agradável. Ocupa apenas o lugar de quem alimenta, além de seus próprios, também os desajustes óbvios do outro. Sim, claro, quem aceita estar numa relação onde o outro nunca tem vez e sua vontade tem de ser a soberana, está decididamente demonstrando o outro lado da mesma moeda! Ou seja, não existe uma vítima e um vilão. Existem dois seres humanos precisando trabalhar suas individualidades e a capacidade de enxergar a si mesmo e ao outro como merecedores de algo que faça mais sentido. Que se pareça um pouco mais com amor.

E que nos tornemos cada vez mais cientes de uma grande verdade: ser a gente mesma não é uma escolha, não é uma ação forçada. É a suave e natural consequência de um processo de autoconhecimento e, sobretudo, de saber reconhecer que toda vez que não encontrarmos espaço para expor o que sentimos e queremos, ou seja, espaço para sermos inteiros e íntegros, então, essa situação não é real. E não vale a pena ser vivida.

Por fim, só existe um jeito de agradar a pessoa certa, na hora certa e no lugar certo: sendo quem você é! Enquanto isso não acontecer, enquanto você estiver perdido de si mesmo, vai continuar atraindo a pessoa errada, na hora errada e no lugar errado!




Rosana Braga



1 de abril de 2012

Nem todo homem é jardineiro




Um dia as flores descobriram que podiam se deixar levar pelo vento. Descobriram que eram fortes e que tinham direito de viver. O mundo então mudou.Antes, dominadas pela sociedade machista e convencidas que a melhor maneira de viver era seguir a maré, as mulheres calavam-se. Fingiam felicidade, fingiam prazer. As que encontravam marido deviam dar-se por satisfeitas. E davam-se.O segredo de tantos casamentos durarem muitos anos antigamente não é o amor que era mais puro e forte, mas a situação da mulher que, dependente financeira e emocionalmente do marido, não ousava. Não dizia o que pensava realmente, não exteriorizava o que sentia. As mulheres foram preparadas para servir, os homens para serem servidos. Tanto que parte e outra aceitavam, o mundo caminhava e os casamentos iam adiante.Mas aos poucos a sociedade foi mudando. E as mulheres foram revelando-se. Descobriram-se vivas. Descobriram que podem dizer não e sim: não a uma vida monótona e que não realiza; descobriram que são capazes de produzir, criar. Descobriram que podem escolher e escolhem. Escolhem mudar de vida, de caminho, de direção.Jardineiros nem sempre cuidadosos, muitos homens não percebem que a mulher é uma flor. Uma flor serena ficará para sempre no jardim onde foi plantada; somente as que encontram vazio diante de si deixam-se cativar por diferentes horizontes.Um bom jardineiro sabe que uma flor precisa de sol, atenção, cuidados especiais. Um bom jardineiro cativa, cultiva, tem cuidado, poda quando preciso, mas sempre fazendo atenção para não destruir, porque ele sabe que quando a primavera chega a sua flor dará o melhor de si.



Letícia Thompson