6 de novembro de 2010

As aventuras de um Rolling Stone


 
 
Para o público infantojuvenil, Keith Richards é o ator que fez o papel de pai do Capitão Jack Sparrow, de Piratas do Caribe, um sujeito esquálido e de cinturinha de modelo, com um rosto com mais microssulcos que uma uva-passa, e que deve cheirar a rum, fumar como uma chaminé e sabe mais que outra substância ou drogas permitidas no tempo dos saqueadores dos sete mares. Os mais velhos vão lembrar que Richards é também o guitarrista inflamado da banda The Rolling Stones.

Em um e outro caso, sua imagem é quase a mesma: a do viciado em drogas, sujeito esquisitão que causa problemas toda vez que sai de cena, uma espécie de herói renegado e bêbado. Na biografia Vida, de Keith Richards, lançada pela Editora Globo, com 630 páginas, R$ 49,90, o músico de 66 anos desabafa sobre a perpetuação de sua imagem: “Não posso desfazer os nós das tantas vezes que interpretei o papel ‘escrito’ para mim: o cara que usa o anel de caveira, tem um dente quebrado e o contorno dos olhos pintado de preto. Eu acho que, de certa forma, sua persona, a sua imagem, ou como você vem a ser conhecido, é como uma festa e também como uma algema. As pessoas ainda pensam que eu sou um maldito viciado. E já faz mais de 30 anos que me livrei das drogas. A imagem é como uma longa sombra. Mesmo quando o sol se esvai, você pode vê-la”.

É bela e rara essa biografia de uma celebridade que quer derrubar o próprio mito. Num estilo de prosa que mistura transparência e sarcasmo (especialmente em relação a Mick Jagger, seu parceiro e eterno rival nos Rolling Stones), mostra-se generoso com o público que o idolatra por anos e sincero com seus anos de formação. Oferece detalhes sobre como escreveu as grandes canções da banda, seus inúmeros problemas com drogas, suas mulheres e sua criação em um cubículo no subúrbio londrino de Dartford, após a Segunda Guerra Mundial. Os capítulos de sua infância e adolescência evocam a educação de filho de operários e descrevem situações que lembram maltrapilhos personagens mirins do escritor Charles Dickens. Richards conta ter sido vítima de perseguição na escola (ele tinha uma ratinha a quem deu o nome de Gladys) e que, depois de abandonar o curso de arte, dedicou-se a estudar seus ídolos musicais, como Muddy Waters, Jimmy Reed, Little Walter e Robert Johnson.

O primeiro sucesso global dos Rolling Stones, a música Satisfaction, foi de acordo com Richards, composta por ele “durante o sono” em seu apartamento em Londres. “Graças a uma fita cassete Philips”, na qual ele gravou – sem se lembrar –, o “esqueleto” da música materializou-se no dia seguinte. Quatro dias mais tarde, tomando sol na piscina de um hotel na Flórida, Mick Jagger escreveu a letra. Richards revela que tinha a ideia básica de uma canção e Jagger a tornava mais interessante, “preenchendo as lacunas”. “De repente, Satisfaction se torna a número um no mundo todo, e Mick e eu olhamos um para o outro, dizendo: ‘Isso é bacana! Mas onde está o passo seguinte?’” 
 
Jagger e Richards sempre tiveram uma relação de amor e ódio. “Mick e eu podemos não ser amigos, mas somos quase irmãos. É menos um caso de Coreia do Norte e Coreia do Sul, e mais como Alemanha Oriental e Alemanha Ocidental”, afirma. Sobre sua relação com Jagger, descreve o amigo como “crianção”, “sua majestade” e “Brenda”, e o acusa de “traidor” por ter anunciado sua carreira solo. Em sua pior fase sob os efeitos de drogas pesadas, Richards conta que foi Jagger quem segurou as pontas da banda.

Richards teve cinco filhos. Três foram com a atriz italiana Anita Pallenberg, que ele “resgatou” de seu colega de banda Brian Jones – Marlon, o mais velho, é uma homenagem ao amigo Marlon Brando, e a terceira filha do casal, Tara, morreu prematuramente aos 3 meses. Com a modelo inglesa Patti Hensen teve outras duas garotas. Em 1991, ele se mudou com a família para uma casa que construiu em Connectictut, nos Estados Unidos, em terreno próximo a um cemitério indígena. A casa ficava em frente a um lago, onde ele gostava de pescar. 
 
Em 2006, depois de shows populares no Japão e na Praia de Copacabana (“Quando eu olho para o vídeo do show no Rio, vejo que estava totalmente concentrado como um filho da mãe!”), Richards disse que poderia fazer uma “saída triunfal” da música. Mas ele se recusa – apesar de os críticos, por vezes, torcerem o nariz para a longevidade dos Rolling Stones. “Só me aposento morto”, afirma. “Eu sempre digo que, se fôssemos negros e nosso nome fosse Countie Basie ou Duke Ellington, todo mundo diria: ‘Yeah, yeah, yeah’. Aparentemente, ninguém espera que roqueiros brancos toquem na nossa idade. Mas não estou nesta vida para fazer discos e dinheiro. Estou aqui para dizer alguma coisa e emocionar as pessoas, às vezes com um grito de desespero.” 
 
 
Marcelo Bernardes 

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