8 de novembro de 2010

Censura às caçadas de Pedrinho

 

Um bom leitor de Monteiro Lobato sabe que tia Nastácia encarna a divindade criadora, dentro do sítio do Picapau Amarelo. Ela é quem cria Emília, de uns trapos. Ela é quem cria o Visconde, de uma espiga de milho. Ela é quem cria João Faz-de-conta, de um pedaço de pau. Ela é quem “cura” os personagens com suas costuras ou remendos. Ela é quem conta as histórias tradicionais, quem faz os bolinhos. Ela é a escolhida para ficar no céu com São Jorge. Se há quem se refira a ela como ex-escrava e negra, é porque essa era a cor dela e essa era a realidade dos afrodescendentes no Brasil dessa época. Não é um insulto, é a triste constatação de uma vergonhosa realidade histórica.

Em vez de proibir as crianças de saber disso, seria muito melhor que os responsáveis pela educação estimulassem uma leitura crítica por parte dos alunos. Mostrassem como nascem e se constroem preconceitos, se acharem que é o caso. Sugerissem que se pesquise a herança dessas atitudes na sociedade contemporânea, se quiserem. Propusessem que se analise a legislação que busca coibir tais práticas. Ou o que mais a criatividade pedagógica indicar.

Mas para tal, é necessário que os professores e os formuladores de políticas educacionais tenham lido a obra infantil de Lobato e estejam familiarizados com ela. Então saberiam que esses livros são motivo de orgulho para uma cultura. E que muito poucos personagens de livros infantis pelo mundo afora são dotados da irreverência de Emília ou de sua independência de pensamento. Raros autores estimulam tanto os leitores a pensar por conta própria quanto Lobato, inclusive para discordar dele. Dispensá-lo sumariamente é um desperdício.

A obra de Monteiro Lobato, em sua integridade, faz parte do patrimônio cultural brasileiro. 


Academia Brasileira de Letras

Nota da Academia Brasileira de Letras (ABL) em resposta ao parecer contrário do Conselho Nacional da Educação (CNE) quanto `circulação do  livro de Monteiro Lobato, "Caçadas de Pedrinho".

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