24 de novembro de 2010

Coisas que fazem bem, coisas que fazem mal


 

Listas fazem sucesso. São úteis e facilitam as escolhas, né? Os lugares mais legais para conhecer nas férias. Os hotéis mais chiques do mundo. Os restaurantes mais bem avaliados. Os filmes de maior bilheteria. Vinte opções de presente para o dia dos pais. Os cem alimentos mais importantes para saúde. As profissões mais estressantes do mundo. Essas listas são úteis mesmo?

Listas são julgamentos, não são verdades universais. Alguém com algum conhecimento e uma opinião formada sobre determinado assunto resolve selecionar o que merece, de acordo com seu crivo, entrar uma lista cuja pretensão é guiar as decisões das outras pessoas. Duas coisas muito importantes em uma lista: quem é o autor e quais são os seus interesses.

Informar-se sobre quem é o autor da lista pode ajudar a entender o que é que essa pessoa ou instituição sabe do assunto e o que pretende com a divulgação da lista. Um guia de turismo que publique listas de hotéis e programas de férias talvez pretenda meramente continuar vendendo listas de hotéis e programas de férias todos os anos, se for esse o negócio. Se o assunto da lista é saúde, convém saber se quem a preparou é alguém que realmente entende de saúde, se é alguém que quer que todo mundo tenha saúde, ou se é alguém que vende algum item da lista.

Proponho um exercício. Tente fazer duas listas, uma com dez coisas que fazem bem para a saúde e outra com dez coisas que fazem mal. Imagine que o propósito dessas listas seja ajudar o público a tomar as decisões certas. Dez coisas boas, dez coisas ruins. Consegue? E se eu “ajudar” com alguns itens?

1. Café
2. Chocolate
3. Vinho
4. Cerveja
5. Açúcar
6. Refrigerante
7. Leite
8. Glúten
9. Pão integral
10. Abacate
11. Adoçante
12. Sal
13. Lasanha
14. Batata frita
15. Analgésico
16. Antibiótico
17. Caminhada no parque
18. Corrida 10 km
19. Maratona
20. Partida de futebol

Primeiro passo: procurar saber quem vai ler a lista. Se for uma criança diabética, itens como o açúcar terão mais chances de ir para a lista do mal. Se for uma mulher com intolerância à lactose, o leite vai para a... Complicou, né?

Assim como o leite, o vinho e o chocolate parecem bailar indecisos entre as duas listas, tamanha a quantidade de estudos que ora acusam suas culpas, ora reconhecem seus benefícios. Uma hora álcool faz mal, outra hora faz bem. Uma hora chocolate ajuda, outra hora atrapalha. Não bastaria o bom senso?

Sabemos que a quantidade e a frequência fazem uma enorme diferença no efeito dessas coisas todas sobre a saúde. Quem já fumou um baseado e costuma ficar embriagado de vez em quando sabe que álcool e drogas estarão sempre entre o bem e o mal. A batata frita e os refrigerantes também estão nesse limbo, entre o pecado e o perdão, à espera de um limite claro que ninguém sabe precisar. Será que dá para afirmar que certas coisas fazem necessariamente mal, para qualquer um, em qualquer lugar e a qualquer momento?

Considerem-se algumas antigas verdades absolutas, como aquela história de que natação é ótimo porque não tem impacto e que caminhada faz bem pra todo mundo. A dificuldade que certos idosos com osteoporose têm para caminhar sem cair e a necessidade que eles têm de exercícios com impacto para devolver cálcio aos seus ossos já colocou essas duas atividades físicas em cima do muro. Caminhar e nadar faz bem? Depende para quem, quando, em que quantidade, em que frequência, em que intensidade, onde.

Outra perguntinha chata: jogar futebol faz bem para a saúde? Sem dúvida, desde nenhum jogador acerte a canela de ninguém, nem haja contusões de qualquer espécie durante a partida, e se alimentem bem e e durmam bem na véspera e tomem todos os devidos cuidados para que o futebol seja somente uma atividade prazerosa e jamais machuque ninguém.

Cansativo esse negócio de classificar as coisas como do bem ou do mal, não? Tenho a leve impressão de que não funciona. O que funciona é que cada solução e cada regra seja aplicada a cada caso de acordo com a realidade de cada pessoa, devidamente investigada, estudada, conhecida e compreendida.

Que eu saiba, os estudos científicos não são feitos para dar origem a listas e julgamentos maniqueístas, mas para ampliar a lista de possíveis soluções aplicáveis a cada realidade.

Minha sugestão da semana: da próxima vez que você topar com alguma afirmação do tipo ‘tal coisa faz bem’ ou ‘tal coisa faz mal’, procure identificar quem está falando, e para quem. Pode ser que a dica não sirva tão perfeitamente para você. Ou para ninguém.


Francine Lima

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