24 de dezembro de 2010

Indignar-se com a injustiça é estar alerta


Um pequeno livro de 30 páginas, tornou-se a sensação literária na França neste Natal. O nome do autor, Stéphane Hessel, não explica o sucesso. Sua idade, 93 anos, muito menos. São dois os motivos para o livro sumir das prateleiras. O preço baixo, três euros, cerca de sete reais. E o título provocativo, Indignez-vous (Fique indignado). Por incitar os jovens ao não conformismo pacífico, Hessel virou uma celebridade pop.

Hessel nasceu em Berlim, de pai judeu escritor e mãe pintora. Foi para Paris aos sete anos de idade. Na Segunda Guerra Mundial, lutou na Resistência contra o nazismo. Ajudou a redigir a Declaração Universal dos Direitos do Homem, de 1948. Suas causas hoje são o Estado palestino, o meio ambiente, os direitos dos imigrantes, a liberdade de imprensa e a batalha contra o mercado financeiro. “Meu fim não está muito longe”, escreve. “Desejo, a cada um de vocês, que tenham um motivo para se indignar. Isso é precioso.”

Uma pessoa indignada não é necessariamente raivosa. Indignar-se com a injustiça é estar alerta. “Os governos, por definição, não têm consciência”, escreveu o romancista Albert Camus, em 1954. Felizes são os homens e as mulheres que não aceitam passivamente os malfeitos dos governos e dos indivíduos. A indiferença nos faz menos humanos. A resignação pode nos tornar cúmplices. Reduzir a lista abaixo depende da vontade política da presidente eleita e da atitude pessoal de cada um de nós. Eis 10 razões para se indignar no Brasil:

o número de analfabetos funcionais na oitava economia do mundo. Uma contradição provocada pela contínua falta de prioridade na educação fundamental e na qualidade da instrução;

os absurdos privilégios dos deputados e senadores, que aprovam aumentos para si mesmos e, além do salário, dispõem de uma verba extra irreal;

a influência excessiva da Igreja sobre o Estado laico brasileiro. Em assuntos como células-tronco, controle da natalidade, por que a religião se sobrepõe a razões de saúde e ciência? Que se respeitem a fé e os ditames do Vaticano como opções individuais, mas não como condutores de políticas públicas;

a impunidade de assassinos confessos. Com recursos em cascata permitidos por lei, quem tem dinheiro, prestígio e diploma se safa da prisão, mesmo depois de confessar crime hediondo e ser condenado por júri popular;

a agressividade no trânsito, que torna o Brasil recordista em mortes em acidentes. Dirigir com cautela no Brasil significa ser barbeiro, bobo e idiota. Acelerar para assustar pedestres, fechar o outro veículo, entrar na vaga alheia, xingar. Não é assim no exterior; 
a  falta de educação da elite brasileira. Boa parcela de ricos desenvolve falta de educação associada à arrogância e à crença na impunidade. Joga lixo nas praias e da janela de carros importados, dá festanças ignorando a lei do silêncio, viola a legislação ambiental e sempre quer levar vantagem;

os impostos escorchantes, que não resultam em benefício para a população carente. Cartéis punem o consumidor e tornam produtos e passagens aéreas no Brasil muito mais caros;

a falta de sistema de saúde pública que dê dignidade a quem precisa e aos mais velhos. Gente morrendo em fila de hospital ou por falta de leitos e médicos é inaceitável. Quantas CPMFs o governo exigirá?;

a falta de política de habitação decente para os mais pobres, mesmo com tantos prédios públicos vazios;

a inexistência de transporte de massas, num país que fez opção equivocada pelo carro. Metrôs e trens, ligados a uma rede de ônibus sem ranço de máfias, deveriam transportar todas as classes sociais.


Indigne-se, mas não seja chato. Contribua para a mudança. Melhor ser um indignado otimista que um resignado deprimido. Boas festas.

Ruth Aquino

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