21 de dezembro de 2010

Mau humor natalino



Eu não tenho espírito natalino. Hoje mesmo acordei, enfiei a cara dentro de mim, e não, decididamente não. Não encontrei nem mesmo uma meia furada que o Papai Noel pudesse ter esquecido em algum Natal anterior. Eu deveria estar feliz, abraçando pessoas na rua, mas não consigo fingir. Só a palavra Natal já me dá vontade de grunhir. 

Vocês pensam que minha família se comove com a minha situação? Me ignoram solenemente. Há anos tento convencê-los a marcar o Natal para janeiro, quando os aeroviários não ameaçam greve, as lojas já estão liquidando e não há vizinhos cantando Noite Feliz em ritmo de pagode. 

Neste ano, algo aconteceu, algum complô secreto. Quando liguei para saber se estava tudo bem lá para os lados de Ijuí, minha mãe me deu a notícia à queima-roupa. “Mudamos de ideia! Decidimos passar o Natal na tua casa!”. Demorei uns cinco minutos para recuperar a capacidade da fala. 

Deixa eu explicar melhor. Eu assumo que não tenho espírito natalino, mas filha, mãe, irmã desnaturada não sou. Meu problema é com o Natal. Desde o telefonema da minha mãe, toda vez que ouço a palavra Natal eu bebo. Virou uma piada entre os amigos. Eles falam, só para me sacanear: Natal! E eu saio correndo atrás de uma dose de cachaça. 

Desenvolvi uma fobia natalina. E a cada ano ela piora, até porque o Natal começa cada vez mais cedo. Mal acaba o Dia das Crianças e já começa o Natal. Em outubro! Tenho enjôo quando vejo decoração natalina e ouço músicas natalinas. Eu, que sou militante do desarmamento e nunca tive nenhuma arma mais letal que uma faca de cortar pão, quando vejo um Papai Noel tenho vontade de metralhá-lo. E não, não estou criticando o comércio. Eu acredito no livre arbítrio. Se eu fosse comerciante e existisse um monte de gente com dinheiro no bolso disposta a pagar o dobro pelo que vendo, eu encontraria um sentido para o Natal. 

Quando digo que não gosto de Natal, que odeio Natal, que tenho horror ao Natal, a primeira pergunta é se fico deprimida. Os deprimidos de fim de ano recebem toda a compreensão. E até um olhar compungido. Mas não, me recuso a mentir. Eu não fico deprimida no Natal. Nem dou a mínima para o Ano-Novo. Eu apenas não consigo encontrar nenhum sentido. Nem um bem pequenininho. 

Assim empenhei parte deste mês de dezembro na tentativa de compreender o espírito natalino dos outros. Descobri que, em geral, o espírito natalino é o que há de pior! Pode ser que na sua cidade seja diferente, mas em São Paulo é o mês mais antissocial do ano. A maior parte das pessoas está à beira de um ataque de nervos. E algumas têm um ataque de nervos. Você esbarra sem querer em alguém, pede desculpas e a criatura xinga gerações da sua família que ainda nem nasceram. 

Os ônibus estão lotados, é preciso se humilhar para conseguir um táxi, o trânsito fica parado há gente quase se estapeando nos shoppings. A verdade é que a maioria de nós está exausto, gostaria de ir para casa botar os pés para cima e assistir a algo bem idiota na TV. Mas não: está lá, comprando. Gastando todo o décimo-terceiro, comprometendo os próximos meses de salário e pegando fila para pagar. Se duvida, sente-se num banco de shopping e apenas assista: casais falam coisas cruéis um para o outro, crianças choram, é um desfile de gente com olheiras e dentes trincando, loucas para arrumar uma confusão e desabafar seu fel em algum incauto. 

Por que, então? Não sei. Perguntei a vários desconhecidos nas últimas semanas em situações diferentes. Boa parte deles disse a mesma frase. “Se eu pudesse dormiria no final de novembro e acordaria em janeiro, quando este pesadelo tivesse passado”. 

Sim, no ano passado eu disse que tinha medo de chester. Depois, destilei ódio contra meus vizinhos de praia nas festas de fim de ano. Mas é o seguinte. Estou aqui apresentando meu ponto de vista. Para mim, falar mal do Natal é um ato político. 

Até porque sou uma vergonha. Peco pela incoerência, porque assim que colocar o ponto final aqui, vou correr para disputar um chester no supermercado. Sim, sim, minha família recusou minha proposta de fazer uma ceia natalina de feijoada e exigiu tradição. Desde quando chester, esta de laboratório, se tornou uma tradição eu não sei. Mas joguei a toalha. Sim, ho ho ho. Feliz grrrrrrunfthzt@%$ para você também!

Eliane Brum

Texto resumido por Lena Simões

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