24 de janeiro de 2011

Amor pra recomeçar



O amor não é mais o mesmo. Nem a família. Apesar do preconceito e da discriminação que os novos casais ainda enfrentam, a aposta no casamento persiste. Se o primeiro não vingou como único, vale a pena tentar de novo. Quem estuda o tema arrisca dizer que é preciso, no entanto, uma dose extra de disposição para as novas e complexas relações que se instalam e fazem surgir as figuras dos "ex" maridos, esposas, sogros, cunhados - e dos "novos" irmãos, enteados, madrastas, padrastos.

A transformação na instituição do casamento ainda está tão recente que nem houve tempo para adaptar o vocabulário. Segundo Susan Travis, autora da tese de doutorado sobre as novas construções familiares, pela PUC-RJ , as palavras "enteado", "madrasta" e "padrasto" ainda carregam conteúdos pejorativos, vindos das histórias infantis. Faltam expressões para designar as novas relações familiares. Como se chamam entre si os filhos de pais que se uniram em um segundo casamento? Seriam "meio-irmãos"? Ou "filho da madrasta/padrasto"?

Alguns pesquisadores usam a palavra "recasamento" para denominar a nova família, mas o termo também é criticado. "O prefixo parece uma substituição do casamento anterior. Um casamento de segunda categoria", opina Susan. Ela diz que essa imagem de recasamento como uma tentativa de repor uma vida antiga está muito presente e prejudica os novos relacionamentos.

Além disso, os divorciados encontram outras dificuldades ao tentar se adequar às instituições sociais. "Muitas organizações desconsideram a formação de novas famílias depois do segundo casamento. Clubes, por exemplo, só agora iniciam um movimento para incluir os parentes do cônjuge de novos casamentos ou as novas namoradas como dependentes. E as escolas começam a incluir nas discussões os novos parentes e deixá-los à par dos assuntos escolares", diz Susan. Até pouco tempo, ela lembra, algumas escolas particulares no Rio de Janeiro nem aceitavam filhos de pais separados.

Para Susan, a postura preconceituosa em relação ao segundo ou terceiro, ou quarto... casamento tende a diminuir. Prova disso é que, ainda que os representantes da Igreja Católica, em geral, não aceitem o divórcio, houve mudanças na legislação, a partir de 1977 e com o novo Código Civil. E elas permitiram que, cada vez mais, as pessoas se sentissem livres para questionar os próprios desejos e a maneira como lidam com a família.

Por outro lado, essa liberdade também abriu a possibilidade para que os casais aproveitassem, parafraseando o poeta, a eternidade do amor enquanto durasse. E abusassem dela, emendando várias uniões de curto espaço de tempo. Em todo divórcio, há muitas perdas e dores. Porém, há quem insista em negá-las e a continuar repetindo erros. Esses se divorciam e iniciam relacionamentos monogâmicos em série sem mudar as expectativas.

O problema do casamento em série é que, enquanto as expectativas que se têm sobre o amor não são revistas, mantêm-se o mesmo padrão que moldou os relacionamentos anteriores e repete-se erros e sofrimentos. "As pessoas, ao começar uma nova relação, imaginam o modelo de casamento que internalizaram a partir das experiências apreendidas nas famílias, entre os amigos, na mídia, entre outros, sem pensar que essas imagens podem não condizer com outros de seus desejos. Com isso, sofrem, pois não conseguem conciliar o que é pessoal e o que é do casal", diz.

E mais, se os ideais em relação ao novo amor são mantidos iguais aos dos primeiros, existe um grande risco da nova união se transformar em mera substituta da antiga. "E da figura do ex passar a assombrar como fantasma, emergindo a toda hora comparações entre as duas situações", diz Susan.

Para os terapeutas, não se deve entrar em uma relação com idéias já predispostas sobre o outro. É preciso sempre se transformar. "O que se investiu com uma pessoa não vale para outra. Não conta nem para a mesma, se o momento for outro. Ao longo dos relacionamentos, é preciso considerar que tanto o tempo é diferente, quanto a situação e a história de cada um mudaram", diz Susan. O psicólogo e professor da USP, Luis Cuschnir, concorda e acrescenta: "é preciso enxergar as diferenças entre as pessoas e entre os momentos. Hoje sou uma pessoa diferente de ontem", diz.

A queixa do preconceito contra os novos casamentos vai parar nos consultórios dos terapeutas de família. Um exemplo bastante recorrente está no fato de que, no primeiro casamento, as pessoas organizam festa, decoram apartamento novo, contam com a ajuda de parentes, têm expectativas grandes. No segundo, normalmente, já existe uma casa pronta e a outra pessoa simplesmente se muda, como se estivesse a completar um espaço vazio. "Pequenas modificações externas, como pintar a parede da casa ou mudar os móveis de lugar, já ajudam a abrir caminhos para ver o novo relacionamento de forma diferente e ter menos medo de uma transformação interior", diz Susan.

Para marcar um novo casamento e evitar comparações com o anterior, Susan sugere que, se não for possível uma festa que simbolize o novo momento da pessoa - e do casal - que, ao menos, se busque a criatividade para tratar as diferenças. "Rituais ajudam a marcar mudanças interiores. Mas não bastam. É preciso mudar também a forma como se enxerga o outro", acredita Suzan.


Simone Muniz 

Nenhum comentário: