14 de janeiro de 2011

Cão virou gente




Até pouco tempo atrás, as casas de família albergavam grande variedade de cães sem raça definida. Era no tempo em que os vira-latas não usavam coleira, passeavam pelas ruas acompanhando seus proprietários e faziam suas necessidades livremente, sem que seu donos precisassem acondicionar seus excrementos em sacos plásticos.

Eu continuo a gostar de cachorro vagabundo. Mas hoje está tudo mudado. Os cachorros viraram mascotes com pedigree e direitos acima aos dos humanos. Passeiam pelos parques ostentando seus traços nobres. Boa parte deles possui até perfil no Facebook.

É o caso da minha cadela Sissi. Ela tem 8 anos, pertence à raça dachshund (o linguiça) e goza de um status especial lá em casa. Além de perfil na internet, é tratada como princesa por minhas filhas. Tem o hábito de ver televisão com elas, e não perde um episódio de Dexter.

Ultimamente a Sissi tem-se sentido mal. Parece uma infecção no focinho (“nariz, papai!’, corrigem minhas filhas). Claro que na hora do vamos-ver quem a leva para o veterinário sou eu. Telefono para ele e digo: “Doutor Rodrigo, a Sissi está respirando mal, o que faço?” Ele disse que é “alguma obstrução nas vias respiratórias superiores” e pediu que eu passasse no “consultório”. Receitou antibiótico, antiinflamatório, corticóide e ordenou que eu levasse o animal a uma clínica de raios-x para que ela tirasse umas chapas.

Fomos eu e minhas filhas à clínica. O dia estava chuvoso e os donos de cães e gatos se desfaziam em cuidados com eles. Um ameaçador pitbull era tratado pelos donos como o último rei da Escócia. Uma senhora abraçava o gato real tailandês cinza como se fosse o seu marido. Dois meninos e o pai atendiam a todos os desejos de quatro poodles adultos. Um jovem solitário parecia saído do filme Marley & eu: usando lenços de papel finíssimos, ele ajudava o seu labrador a degustar seu sorvete. “Meu bebezinho!”, suspirava o cara. “Que gracinha!”, minhas filhas replicaram.

Basta ir a uma dessas clínicas radiológicas para testemunhar esse tipo de cena. Eu, que fui acostumado a vira-latas, não entendi nada. Depois de uma penosa sessão de raio-x, em que a Sissi desobedeceu o tempo todo, saímos e fomos até um supermercado de pets para comprar medicamentos. Fico até com pena desses consumidores compulsivos de ração e ossos de plástico que frequentam mercados caninos. Eu não devia, até porque virei um deles. Tenho a impressão de que nós estamos de coleira, puxados por bichos humanizados.

Eu posso entender o prestígio dos animais no coração das pessoas. Muitas delas transferem a carência amorosa para seus lulus e bichanos. O doutor Rodrigo acaba de me dizer que Sissi terá de passar por um exame de rinoscopia. Ele me pergunta se tenho plano médico para animais, eu digo que nunca ouvi falar nisso, e ele me adverte de que o exame vai custar em torno de 600 reais. E quando não pudermos pagar e a única solução será sacrificar o animal?

Temo que em breve a eutanásia será vedada aos mascotes de raça. Teremos de suportar a agonia dos animais até o último suspiro. Será que se a Sissi não tivesse pedigree a reação do médico teria sido diferente? Não sei dizer. Só acho que animais de raça estão com muito prestígio. Mas não me convém afirmar se é certo ou errado.

E você, o que pensa a respeito?

Luís Antônio Giron

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