23 de julho de 2010

O fim do fim da privacidade




Nunca houve tantas formas de deixar a vida exposta na rede. Nem tanta gente incomodada com isso. Uma em cada 4 pessoas que usam a internet no mundo tem uma conta no Facebook. Esse meio bilhão de pessoas publica 14 milhões de fotos diariamente. Os 100 milhões de usuários do Twitter postam 2 bilhões de mensagens por mês. Dê um Google no nome de alguém e os tweets dele vão estar lá. Pesquisadores cunham termos bonitos como a "era da hipertransparência" para tentar falar que há xeretas e exibicionistas demais hoje.

E a maior rede social do planeta deu um passo grande rumo à tal hipertransparência: em maio, o Facebok mudou as regras sobre o quanto que estranhos podem saber da sua vida. "Estamos construindo uma internet onde o padrão é ser sociável", decretou Mark Zuckerberg, criador e presidente do site, ao anunciar as mudanças. Utopia sociológica à parte, interessa para ele que usuários de seu serviço possam ser encontrados com mais facilidade. Se você não está no Facebook e encontra aquele amor antigo do ginásio ali, tende a entrar para a rede social. E, quanto mais gente lá, mais Zuckerberg pode faturar com publicidade.

Às mudanças: de cara, elas parecem bem sutis. Antes, não dava para ver a foto de perfil ou a idade de uma pessoa pesquisada, por exemplo. Agora, a não ser que o usuário mude as configurações no braço, um resumo de sua ficha ficará exposto na internet. Não é pouca coisa. Pense em quem teve um término de relacionamento conturbado e quer manter distância de namorados maníacos; ou em um adolescente que mudou de escola por causa de bullying e corre o risco de que tudo comece de novo se os novos colegas descobrirem isso; em quem sofre de assédio moral no trabalho ou foi testemunha de um crime; em quem não quer que os pais descubram detalhes de sua vida sexual. Para todos eles, qualquer detalhe que o Facebook divulgue pode fazer uma grande diferença.


Não fica nisso. Um dos maiores problemas é que a internet não "esquece" nada. E agora, que ela faz parte da vida de praticamente todo mundo há uma década, qualquer vacilo do passado pode causar um problema no presente. Fotos ousadas num fotolog de anos atrás vão complicar você na disputa por um emprego. Uma troca infeliz de scraps no Orkut, como uma discussão com um ex, podem estar ao alcance de qualquer um. As redes sociais basedas em GPS, como a Fousquare, colocam mais pimenta nesse molho, já que elas mostram num mapa onde os usuários estão a cada momento Em suma, nunca existiram tantas possibilidades de exposição pública. E sim: sempre vai ter alguém que você não esperava bisbilhotando você.

É natural. O desejo de cavucar a vida alheia existe desde sempre. Na maior parte da história humana, as pessoas viveram em pequenas tribos onde todas as pessoas sabiam tudo o que todo mundo fazia. E de alguma forma estamos nos tornando uma vila global. Pode ser que descobriremos que a privacidade, no fim das contas, sempre foi uma anomalia...

Seja como for, trata-se de uma anomalia de que todo mundo gosta. E por isso mesmo um movimento ganha cada vez mais força: há uma preocupação maior com a bisbilhotice. Na prática, está acontecendo o contrário do que Zuckerberg imagina. Estamos menos "sociais".

Hoje, a quantidade de dados que as pessoas deixam aberta na rede para todo mundo ver é, por cabeça, bem menor do que há 5, 6 anos. É raro encontrar quem deixe suas fotos escancaradas numa rede social.

Um estudo da Universidade da Califórnia mostra essa mudança: os entrevistados disseram tomar mais cuidado com o que postam online do que há 5 anos. Na mesma pesquisa, 88% dos jovens de 18 a 24 anos acreditavam que deveria existir uma lei que forçasse os sites a apagar informações pessoais depois de algum tempo.

Enquanto não chegam leis concretas, as pessoas reagem por conta própria. Trinta mil usuários cancelaram suas contas no Facebook no dia 31 de maio, para protestar contra uma mudança que houve na rede na configuração de privacidade. Compare isso com a reação que as pessoas tiveram em 2006, quando o Orkut passou a identificar quem visitava o seu perfil. Não faltaram reações de indignação. "Qual é a graça se não dá mais para espionar a vida dos outros escondido?", perguntavam os usuários.

É difícil imaginar algo assim hoje. Aprendemos a nos comportar na rede como nos comportamos em público. Porque, cada vez mais, estamos mesmo.
 
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