No aniversário de 50 anos de Brasília penso nos 50 anos de Renato Russo. Renato Manfredini teria completado 50 anos no dia 27 de março. Infelizmente Renato morreu bem antes disso, aos 36 anos, no dia 11 de outubro de 1996. Renato viveu e morreu como poeta: fidelidade total à sua arte e descompromisso com regras, obrigações e expectativas. Ser poeta vai muito além de escrever poesia, como se sabe.
O inventor da poesia moderna, o francês Arthur Rimbaud, já preconizava em pleno século 19 a liberdade, o desprendimento e o desmembramento dos sentidos como condições essenciais aos aspirantes a poetas com ‘p’ maiúsculo. E, acima de tudo, um mergulho vertical na própria alma, por mais atormentada e tempestuosa que seja. Rimbaud também morreu jovem, aos 37 anos, amargurado e doente. E escreveu toda a sua incandescente poesia entre os 15 e os 19 anos.
Jovens poetas iluminam as cidades por onde passam. E deixam rastros às vezes difíceis de compreender, mas sempre belos, intensos e reconhecíveis. A feiúra pode virar beleza ao olhar do poeta. Ou vice-versa. É o olhar do poeta que transforma as coisas em outras coisas, como na alquimia. E é também o olhar do poeta que julga o mundo.
Cazuza, poeta contemporâneo e conterrâneo de Renato – ambos cariocas -, também soube viver fiel à sua poesia. E também morreu muito jovem, aos 32 anos. Vejo rastros de Cazuza quando ando por Ipanema. Um por do sol, um mendigo deitado na calçada. Enxergo Renato quando vou à Brasília. Uma menina andando de bicicleta, um cachorro manco se deslocando pelo gramado do Eixo Monumental. Não foi por acaso que as cinzas de Renato foram lançadas aos jardins do sítio de Burle Marx, no Rio, cidade em que morreu.
Dizem que Brasília é uma cidade fria e sem esquinas. Dizem que os recentes escândalos de corrupção comprovam que a cidade é fruto de um equívoco. Vejo Brasília de outra forma. Os edifícios e palácios de Oscar Niemeyer, os traçados de Lúcio Costa e as árvores e jardins projetados por Burle Marx me sugerem o desenho de um sonho. Assim como as músicas de Cazuza e de Renato. Ou a poesia de Rimbaud. Esse sonho não elimina a tragédia e o sofrimento. Pelo contrário, incorpora-os como elementos essenciais à plenitude. Um poeta inglês, William Blake, disse que o caminho do excesso leva ao palácio da sabedoria. Os poetas iluminam a cidade.
Autor: Tony Bellotto
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