1 de setembro de 2010

Com quem você sonha?


Duas noites atrás eu sonhei com a Gisele Bündchen. Não havia no sonho, juro, nada que não pudesse ser contado num almoço de família, mas, mesmo assim, ele me causou vergonha: por que um homem adulto sonharia com a modelo mais famosa do planeta? Não parece coisa de adolescente?

Como ontem era dia de análise, levei o assunto para a minha psicanalista. Ela ficou instantaneamente interessada. Quis saber detalhes, sensações e ideias que haviam me ocorrido ao despertar. Meu embaraço com a situação foi dando lugar à impressão de que, bolas, talvez houvesse algo ali além da revelação de que funciona no meu cérebro um canal clandestino do TV Fama. Ao final, falamos boa parte da sessão sobre o tal sonho. A conclusão foi que havia nele uma manifestação de contentamento comigo mesmo. Explico.

Para além da sua existência real, como pessoa, a gaúcha de Horizontina tornou-se um símbolo de beleza, feminilidade e fortuna. Sonhar com ela, num contexto agradável, equivale a sonhar que você está dirigindo um carro conversível numa estrada da Provença: denota tranqüilidade, confiança e sugere que você não deixou de ambicionar coisas legais. Pelo que, entendi, é uma espécie de “Yes, you can” gritado lá do fundo do inconsciente.

Fiquei contente com essa interpretação. Ao contrário das pessoas que viraram as costas para Freud, ou que nunca souberam das suas teorias, eu acredito que os sonhos me contam coisas que eu não sabia sobre mim. Eles revelam estados de espírito. Eles trazem memórias submersas, pescadas pela rede das emoções recentes. Eles abrem portas para pedaços inconscientes da minha mente aos quais eu não teria acesso de outra forma. Sonhar é conversar comigo mesmo, algo que nem sempre é agradável, mas sempre é util.

Uma das coisas que eu não tenho feito, mas já fiz, é tomar nota dos sonhos enquanto eles ainda estão frescos na memória. Depois de um tempo fazendo isso, a gente se acostuma a memorizar e refletir. Com auxílio do analista, ou mesmo sem ele, passamos a interpretar aquele material incoerente e desconexo. Aos poucos ele ganha sentido e nos põe em contato com sentimentos e sensações menos óbvios.

Ao incorporar o inconsciente, através do sonho ou da análise, a vida ganha outra dimensão existencial, que eu comparo ao mergulho submarino. Quem vai à praia e nunca mergulhou desconhece aquela vastidão submersa na qual um mundo inteiro coexiste em silêncio com o mundo da superfície. Fazer análise é como mergulhar no oceano interior: acrescenta uma nova e vasta dimensão à nossa realidade.

Tive namoradas que me davam vontade arrastar ao consultório mais próximo, tamanha a necessidade que elas tinham de tratar suas dificuldades interiores. Tenho amigos e conhecidos a quem uma ou duas consultas semanais fariam muito bem, mas eles juram que não é o caso. E não se trata somente de dinheiro. As pessoas têm objeções intelectuais e resistências emocionais à análise. Se você está em depressão ou com síndrome de pânico, alguém vai lhe oferecer um remédio. É bom, os remédios ajudam. Mas o que a ciência oferece depois disso? Quando você está “apenas” angustiado, infeliz ou perdido, o que a psiquiatria tem a dar? Uma pessoa que não acha graça na vida, no corpo ou no convívio com seus semelhantes faz o quê, toma pílulas? Eu acho que não.

Para quem não está doente, para os bilhões de neuróticos normais do planeta, a terapia pela palavra ainda é a forma mais eficaz, senão a única, de tratamento. Ou ao menos de autoconhecimento.

Se dependesse de mim, todo mundo ganharia na adolescência um voucher com direito a duas horas de análise semanal por 10 anos, passível de renovação. Acho que o mundo seria um lugar melhor. Nele, as pessoas poderiam acordar acabrunhadas com um sonho, levá-lo ao analista e descobrir, pelo processo de análise, que não havia ali motivo de vergonha, mas, sim, para celebração. Será que existe algo mais necessário do que livrarmo-nos das nossas vergonhas íntimas?



Autor: Ivan Martins

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