15 de outubro de 2010

Doe leite




Chove muito aqui em Brasília hoje. Estava parada no trânsito molhado, quando vi, num ponto de ônibus, o cartaz da campanha do Ministério da Saúde sobre doação de leite materno. Bateu uma pontinha de tristeza porque amanhã, pela primeira vez nesses dois meses e meio de vida da minha pequenininha, eu não tenho um pote de leite cheio congelado para doar, como vinha acontecendo toda quarta-feira. O auge da produção que permite uma mulher doar acontece nos dois primeiros meses após o parto. Depois disso, a gente começa a se “auto-ajustar” às necessidades do neném, e não sobra mais.

Num desses dias, a enfermeira chegou aqui em casa com a caixa térmica portátil para recolher minha doação e comentou pouco antes de ir embora: os três bebês da UTI agradecem. Eu ganhei aquele dia. Pude imaginar a carinha daqueles nenéns, crescendo com minha ajuda anônima.

Há quase quatro anos, quando nasceu minha primeira filha, fui atrás para saber o que fazer com tanto leite. Eu jogava fora, tirava com a bomba, para não “afogá-la” e para não empedrar, e via que aquilo não estava legal. Ninguém me informou sobre o que fazer. E olha que me considero uma pessoa relativamente bem informada.

Sozinha, descobri que o Corpo de Bombeiros, no Rio de Janeiro, vai buscar na sua casa a doação. E comecei a doar para um hospital público especializado em partos de risco. Quando voltei a trabalhar, fui lá conhecer o hospital e fiquei emocionada. Bebês muito, muito pequenos, bravamente lutando pela vida. E vivendo, muito bem depois. Com a ajuda do leite doado, essas crianças se fortalecem, porque correm menos riscos de ter complicações gastrointestinais. O leite materno doado é pasteurizado, para eliminar qualquer possibilidade de transmissão de doença.

Eu não imaginava que pudesse ser uma doadora, porque a primeira coisa que fazem, talvez por medo ou por precaução, é alertá-la sobre as dificuldades da amamentação, enfrentadas por muitas mulheres. Tá certo, é preciso explicar. O início não é fácil, dói (muito, no meu caso), nem todo bebê pega direito, nem toda mulher produz leite suficiente. Tudo isso tem que ser levado em conta. Mas não gosto de comentários negativos, tipo “descansa ou vai faltar leite”. Ninguém sabia se eu teria muito leite ou não. Ah, vira essa boca pra lá! Por favor!

Amamentei e doei, antes e agora. E queria avisar a todas que, neste momento, têm a felicidade de ver leite sobrando que doar é fácil, não dói e não custa nada. Provavelmente tem um hospital perto de você com gentis enfermeiras que irão até sua casa buscar o seu potinho (de vidro, esterilizado com tampa de plástico, ok?).


Isabel Clemente

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