23 de dezembro de 2010

Discutindo a relação



Há poucas palavras que eu sei exatamente quando entraram na minha vida, e quem as trouxe. Ficar, por exemplo, com a conotação de namorar ou transar, eu ouvi pela primeira vez em 1995, durante um debate na TV sobre sexualidade de adolescentes. Quem tentava explicar aquele verbo ainda misterioso era a sexóloga Marta Suplicy.

Outro verbo que entrou no meu léxico pessoal recentemente é rolar, no sentido de acontecer. Eu ouvia a garotada falando e a palavra me soava como gíria alienígena. Vai rolar ou não vai rolar? Eu imaginava um labrador preto dando voltas sobre si mesmo, na areia. Então eu arrumei uma namorada que usava e abusava do verbo, em 2003. A partir daí rolou para mim também.

Outro dia, durante uma festa no trabalho, eu usei com um colega a sigla DR. Ele não sabia o que era. Expliquei que DR é a “discussão da relação”, aquela conversa que casados ou namorados costumam ter quando aparece uma crise, real ou imaginária. Ter uma DR é sinônimo de ter uma conversa comprida, que pode terminar em lágrimas ou sexo e geralmente começa com a mulher manifestando a sua inquietação com algum aspecto do comportamento masculino.

“Você anda esquisito comigo”, é um ponto de largada costumeiro para uma DR. Outro início recorrente é “Você gosta de mim?” O sujeito está de cueca, pegando o suco na geladeira, às 10 horas da manhã de domingo, e escuta essa pergunta.

Já está claro pelos exemplos que estamos no terreno da subjetividade. Uma DR raramente envolve coisas práticas. Ela pode até começar com uma pergunta objetiva - “Por que você não atendeu meu telefonema ontem”? - mas costuma mergulhar, rapidamente, no terreno selvagem das emoções, com resultados imprevisíveis.

As relações de casal tomaram uma forma instável que parece colocar, a cada passo, a necessidade de repactuar e discutir. Essa é a origem profunda das DRs.

Na falta de um “caminho natural” para os relacionamentos – aproximação, namoro, casamento, filhos - as pessoas sentem necessidade de parar e olhar a bússola a cada par de quilômetros. Sobretudo as mulheres. Como os homens fazem a parte autista do casal, aquela que simplesmente vai tocando, cabe às mulheres a tarefa de fazer perguntas chatas: Estamos indo para onde mesmo? Você ainda quer ficar comigo?

Às vezes a conversa é ruim porque nos força a olhar para coisas que não queremos ver. Os detalhes de uma relação estagnada, as dúvidas profundas, frequentes, que as pessoas têm sobre os seus verdadeiros sentimentos em relação ao outro.

Ninguém gosta de falar dessas coisas. Assim que a conversa começa, dá vontade de fugir. A respiração se altera, a gente não consegue olhar para o rosto do outro, vem uma sensação ruim de estar sendo invadido. Claro, eu estou sendo generoso. Há mulheres que querem discutir relações que ainda nem existem. Há homens excessivamente inseguros que precisam a cada instante de apoio e reafirmação. Mas não é disso que eu estou falando.

Da forma como eu tenho experimentado as DRs, elas são momentos importantes de ajuste. Você faz alguma coisa que magoa o outro e isso provoca uma conversa difícil, mas necessária, sobre os sentimentos mútuos. Num contexto desses, perguntas como “Você gosta de mim?” fazem sentido, mesmo que você esteja de cueca na porta da geladeira, na manhã de domingo. Mesmo que seja véspera de Natal.


Ivan Martins

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