23 de dezembro de 2010

Surpresa é tudo de bom



Que tipo de pessoa é você? Gosta de controlar tudo e fica feliz quando vê as coisas acontecendo exatamente como planejou? Ou é desses espíritos meio avoados, que perdem prazos e compromissos, mas convivem bem com o inesperado?

Confesso que sou do primeiro time. Sou uma taurina teimosa que resiste a mudanças. À medida que envelheço, tento amenizá-la. Muito da minha rigidez o tempo já levou. Agora está mais do que na hora de me livrar da ilusão de que posso controlar tudo.

A melhor medida profilática é encarar novas experiências como uma aposta. Se tenho 50% de chance de me dar bem, por que fugir delas? Foi assim que encarei uma obrigação cívica que tinha tudo para ser o mico do ano. Trabalhei como mesária na eleição desse ano. Estava achando seria um castigo. Acordei às 5h50 da manhã para conseguir estar às 7 horas numa escola de Pirituba, um bairro de classe média baixa de São Paulo.

Posso dizer: trabalhar naquela escola foi uma grata surpresa. Os outros mesários também eram pessoas experientes. A mais nova tinha 32 anos e o mais velho, 44 anos. Não nos conhecíamos, mas em pouco tempo parecíamos velhos amigos. Há muito tempo eu não fazia um trabalho tão relaxante. Passar o dia inteiro ali, orientando os eleitores na fila, destacando papelzinho ou encontrando o nome deles na lista foi uma espécie de terapia. Voltei para casa relaxada.

Quando encontrei meu marido, a primeira coisa que disse foi: "O DataPirituba informa: vamos ter segundo turno. A Marina vai ter 20 milhões de votos". Foi o que senti quando imprimimos os votos da nossa seção que mais parecia um Brasil em miniatura. Ali votaram 300 e poucos cidadãos, de diferentes classes sociais e valores.

Por ali passaram os muitos velhos e os adolescentes. O policial com um vício de postura sugestivo de que está prestes a bater continência. O cego que chegou à seção com ajuda de uma guia e pediu que eu colocasse sua mão no lugar onde ele deveria assinar. Alguns alcoólatras também apareceram. Desiludidos, potenciais eleitores do Tiririca, não faltaram. Assim como pais que levaram os filhos à cabine para ensinar a eles que o direito ao voto não é pouca coisa. O padre esteve lá. O transexual também. De unhas pintadas, sobrancelhas finíssimas, um longo rabo de cavalo e a calça justa que realçava suas formas femininas. Virou o rosto, visivelmente incomodado, quando lhe pedi um documento com foto. Não precisava. O que recebeu em troca foi o mais sincero respeito.

Foi uma experiência totalmente nova. Estou convencida de que surpresa, na medida certa, faz bem para a cabeça, para o corpo, para o coração. A surpresa nos obriga a aceitar o novo e a se adaptar a ele. O resultado do primeiro turno surpreendeu o Brasil. No dia 31 estive em Pirituba de novo. Pronta para meu dever cívico. Pronta para o inesperado.

Cristiane Segatto
Texto resumido por Lena Simões

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