6 de dezembro de 2010

Todo mundo tem mãe!



Fiquei imaginando Dona Nilsa, há uns 20 anos:

- Dieguinho, meu filho, acorda que tá na hora de ir pra escola! Ô, menino, já escovou os dentes?

Ou há uns 10 anos:

- Diego do céu, onde é que você estava a essa hora? Eu tava preocupada que você não chegava. Toma a bênção da sua mãe…

Imagino Dona Nilsa na cabeceira da cama do Diego, ele com febre, com tosse.

- Vamos rezar juntos, meu filho, pedir a Deus pra você melhorar.

Agora o Brasil inteiro conheceu Dona Nilsa Maria. Ela é a mãe do Mister M, alcunha do traficante Diego Raimundo Silva Santos, braço direito do chefão dos criminosos do Complexo do Alemão, Pezão. No meio da tarde de sábado, com os traficantes acuados na comunidade, ela convenceu o filho a se render. Pegou seu menino pela mão – um de seus dez rebentos – e levou para a delegacia. Lá dentro, Diego-MisterM sorria irônico para as câmeras fotográficas. Do lado de fora, Dona Nilsa, 53 anos, enfrentava as câmeras de televisão.

“Disse pra ele: Diego vamos para casa com a mamãe. E ele respondeu: ‘Não, mãe. Se ficar em casa, eles vão me prender’. E eu disse: então vai comigo e seu irmão que é cristão que eu vou te apresentar na delegacia. Ele aceitou”.

Dina Nilsa disse ainda que jamais aceitou o filho na criminalidade. Ela tem filhos trabalhadores, estudantes. Um joga nos juniores do Vasco da Gama. Outro é pastor evangélico.

Confesso que jamais esperava um desfecho assim nessa história tão crua a que estamos assistindo no Rio de Janeiro. Na hora, me veio à cabeça a letra da canção do Arnaldo Antunes:

Saiba
Todo mundo foi neném
Einstein, Freud e Platão também

Saiba
todo mundo teve mãe
índios, africanos e alemães

Saiba
todo mundo teve medo
mesmo que seja segredo


Traficante tem mãe. Acredito que boa parte delas esteja muito envergonhada ao saber que seus filhos estão acuados no alto do morro. Vergonha por eles terem escolhido os piores caminhos. Muitas devem sentir medo de vê-los mortos, daqui a pouco. Ou presos. Talvez jamais façam qualquer visita. Talvez prefiram esquecer que eles existam. Outras podem estar amuadas por saber que provavelmente não vão mais usufruir os benefícios e presentes luxuosos que seus meninos lhes deram – como a mulher do traficante Polegar, presa ontem num condomínio bacana da Barra da Tijuca com suas unhas incríveis, nos meio de seus laptops, TVs de plasma e geladeiras de 5 mil reais.

Dona Nilsa não. Ela trabalha em um trailer na Vila da Penha, subúrbio do Rio, vendendo comida.

Ao mesmo tempo, fiquei pensando por que, de dez irmãos, um vira criminoso, entre tantos que vivem uma vida honesta. Nós, mães, tentamos sempre fazer o melhor. Mesmo que às vezes a gente fique meio perdida.

Dona Nilsa deve se sentir muito culpada. Talvez, na caminhada até a delegacia, descendo o morro com Diego, tenha se perguntado, pela milésima vez, “onde foi que eu errei”. E – quem vai saber? – pode até ser que tenha culpa de alguma coisa na criação do filho.

Mas ontem ela acertou.

Martha Mendonça

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