6 de dezembro de 2010

A escravidão da forma física


A cena a seguir não faria o menor sentido no Brasil. Três amigas inglesas e eu conversávamos sobre regimes e celulites, enquanto contribuíamos para arruinar nossas silhuetas com alguns litros de cerveja (diga-se de passagem, ao contrário do que acontece no nosso país, no continente europeu este tipo de conversa é apenas esporádico, e não um assunto obsessivamente presente em rodas de amigas). Lá pelas tantas, não lembro bem por que, contei que do alto dos meus 1,76m de altura e 65 quilos, havia me submetido a uma lipoaspiração nos quadris quando tinha 21 anos de idade, com direito a anestesia geral.

Em coro, minhas três amigas britânicas gritaram “COITADA!”. Isso mesmo. Na cabeça delas, o fato de eu ter realizado o sonho de muita brasileira significava que, com a minha forma física (bastante modesta se comparada com as brasileiras de bunmbum de aço e barriga de tanque de lavar roupa, e mais modesta ainda 13 anos depois) só poderia estar muito mal da cachola.

Outro dia, comentando sobre a obsessão pela forma física que vivemos no Brasil com uma amiga ultra inteligente, culta e antenada – mas brasileira – ela disse séria: “eu não acho que seja assim”. Depois de ficar chocada durante alguns segundos, uma vez que esperava o total apoio da minha amiga “meio intelectual, meio de esquerda”, dei um rewind para a minha vida pré Europa e pós lipo, e me dei conta de que, no Brasil, a escravidão da forma física é, de fato, parte da vida e que pouca gente se detém para pensar nisso a fundo. Eu não pensava.

Brasileiros e brasileiras, acreditem, a histeria coletiva que vivemos nas academias, praias e clínicas de cirurgia plástica do nosso país não é “normal”. Em nenhum outro lugar do mundo (bom, talvez Hollywood) há tanta gente sarada e neurótica com gordurinhas e músculos. Os europeus se preocupam muito menos com tais coisas do que os brasileiros e acham absolutamente surreal o número de cirurgias plásticas que fazemos no Brasil. Com razão. E talvez por esse motivo eles tenham mais tempo para atividades como a leitura, por exemplo…

Acreditem se quiser: nenhum (veja bem, n-e-n-h-u-m) dos meus amigos e amigas de Barcelona puxa ferro. Uns jogam bola, outros andam de bike, outros dão uma corrida, alguns nadam. Mas só na medida do saudável, coisa de três vezes por semana.

Isso não quer dizer que todo mundo aqui seja pelancudo e gordo. Muito pelo contrário. A questão é que a forma física é encarada de outra maneira. Os espanhóis, em geral, são magros e esbeltos. Mas é muito difícil encontrar gente tão malhada como entre as classes favorecidas no Brasil, pelo menos em uma escala industrial. Costumo dizer que um gringo que caia de pára-quedas em uma praia carioca, ou em Maresias, sem saber nada sobre o assunto, corre o risco de achar que está em outra galáxia, tamanho o diâmetro dos pescoços dos lutadores de jiu-jitsu e das coxas inoxidáveis da mulherada.

Cá entre nós, os musculosos voluptuosos, para os europeus, fazem parte da estética de determinados grupos de homossexuais. E as mulheres-bomba geralmente são atletas. Nada contra quem quer ser musculoso, pelo amor de Deus. O que quero dizer é que o gosto por essa estética Rambo e essa obsessão aqui fora é algo restrito a grupos sociais com determinadas preferências, e não um objetivo coletivo, como no Brasil.

O próprio ambiente da academia é muito diferente aqui na Europa. O jeitão europeu de não se preocupar muito com a vida alheia e a própria estética é transportado para a sala de ginástica. Ou seja, cada um na sua, com a roupa que for, sem tanto cuidado em estar com o tênis ou os trajes da moda. Em uma academia classe A é possível encontrar desde gente com o último modelito Nike até senhoras com collants ao estilo Jane Fonda. E ninguém é apedrejado por causa disso. Ao fim e ao cabo, é bem menos importante do que ir ao pub ou ao bar de tapas da esquina. E palmas pra eles!


Adriana Setti

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