17 de janeiro de 2011

Amores adultos



Costuma-se dizer que o ser humano é um animal polígamo que vive numa cultura monógama. A fidelidade a um único parceiro sexual parece não ser uma característica inata do homem, mas algo determinado pela cultura. Se o ser humano é por natureza polígamo e por educação monógamo, em grande parte do tempo está em guerra consigo mesmo.

Quem de nós está feliz neste mundo? Quem de nós satisfez seu desejo? Faz parte da condição humana desejar muitas coisas que não podemos obter. Por outro lado, nos cansamos daquilo que possuímos, apesar de nos deleitarem e preencherem de início.

Em termos de números de parceiros, há uma espécie de escala que vai da monogamia restrita à poligamia irrestrita. No ponto zero da escala estão as pessoas apenas monógamas, que têm um único parceiro. Depois vêm as pessoas que são relativamente monógamas - traem ocasionalmente. Seguem-se as que têm dois parceiros simultaneamente e formam um triângulo. Às vezes, estas pessoas praticam uma espécie de bigamia seriada - sempre dois, só que nem sempre os mesmos parceiros. Por último, vêm as polígamas, ou seja, que têm vários parceiros ao mesmo tempo. Aqui também pode-se fazer subdivisões. Existe a poligamia restrita - caso de quem prefere ter sempre três parceiros, porque é mais flexível do que dois e menos complicado do que quatro ou cinco.

A vida nos força a escolher e tudo tem seu preço. Independentemente do caminho que se siga não se pode evitar muitas vezes de perguntar por que não se tomou a direção oposta. Uma das grandes encruzilhadas da vida, talvez a mais importante, é o casamento. Com quem e como? Agora ou depois? Por que e para quê?

O casamento - em sua razão de ser, seus desafios, seus dramas, suas recompensas - já foi definido de inúmeras maneiras. Antigamente, era um arranjo funcional que tinha a ver com propriedade, crianças e preenchimento de necessidades, como contar com um parceiro para lutar pela sobrevivência. O contato sexual servia para a procriação e para descarregar tensão. Como diziam os franceses, "por falta de algo melhor, um homem dorme com sua esposa".

O casamento é percebido hoje como uma relação de ajuda mútua, de trocas, em que o sexo e o amor coexistem, ou seja, o primeiro cria o segundo e o segundo alimenta o primeiro. Entretanto, se a única surpresa que você espera do casamento é o que vai acontecer na cama, não valerá a pena.

A maioria dos bons casamentos depende mais da amizade do que do sexo. Enquanto a atração sexual vai e vem, a amizade fica. Não importa como a relação começa: ouvindo a voz do coração, numa paixão em segredo ou sem-reservas, num gozo equivalente a um curto-circuito, o que conta é ser amigo, porque homens e mulheres ainda consideram ideal o parceiro que é amigo de todas as horas.

A expressão "meu melhor amigo" vem da infância e carrega um significado especial, como tão bem explicam os terapeutas americanos Kinder e Cowan em seu livro Maridos e Mulheres (Editora Rocco). Segundo eles, amizade significa ter interesses e valores comuns. Valor é tudo que tem importância, tudo em que se investe tempo e energia para conseguir. Amizade significa também acreditar que o outro se importa conosco e que podemos retribuir. Por fim, significa que o outro é um aliado leal. O medo da traição é atávico, nascemos com ele. Por isso, quando somos amigos de fato não traímos nem abandonamos.

Na história a dois, apaixonar-se é o mais fácil. Mas só isso não basta. É preciso amizade e compromisso. A amizade é crucial porque é dela a capacidade de sustentar o nosso crescimento e de suportar as mudanças. A essência está em procurar combinar prazer sexual com ternura. Mas isto é difícil. Entretanto, as pessoas se casam para fazer exatamente esta integração.

Quem ama se compromete. Mas compromisso não é só ficar com alguém na época das vacas gordas e das magras. Significa investir para dar certo. Portanto, compromisso é ação. Se existe uma pedra no caminho, a gente constrói um túnel ou um desvio. Às vezes, após algum tempo, bate na pedra e descobre que está oca.

Como em qualquer parceria, o casamento nos dá a oportunidade de lutarmos juntos, de assumirmos a relação. Assumir quer dizer tomar consciência, ter senso crítico, liberdade para decidir e vontade para agir. E coragem para se opor à correnteza, se a pessoa achar que deve nadar em sentido contrário, pois o caminho é algo que deve ser sempre procurado. De um modo ou de outro, estamos sempre tentando aprender ou reaprender a amar.

Maria Helena Matarazzo 

4 comentários:

Anônimo disse...

Olá Lena.

O Amor é o sentimento mais nobre que existe.
Quando compartilhado então, é Divino.
Na relação a dois, a amizade, o respeito e a cumplicidade, são essênciais para que se transforme o verdadeiro Amor.
Quando amamos de maneira verdadeira, sem máscaras e sem representar papéis, tudo flui naturalmente.
Quando este Amor é leve, não existem cobranças e com isto o respeito prevalece, sendo que não existe nada que seja feito por obrigação.
Fica-se junto, pelo simples prazer da companhia e da presença do outro.
Este para mim é o verdadeiro Amor adulto e Amor verdadeiro.
Beijos em sua Alma!

Lena disse...

Lú,
Quando o AMOR é leve, até o silencio entre os dois que se amam não vira cobrança. É um tipo de respeito que um tem pelo outro e nesse momento as almas se entendem. Amei suas visitas! Seus comentários, sempre lúcidos e pertinentes, sempre complementam o post. Amigos verdadeiros estabelecem entre si verdadeiras trocas, sempre um somando ao outro novas perspectivas, novas formas de interpretar a vida! E isso é muito bom!
Um grande beijo,
Lena

Anônimo disse...

Amor é fogo que arde sem se ver
(Luis Camões)
Amor é fogo que arde sem se ver,
É ferida que dói, e não se sente,
É um contentamento descontente,
É dor que desatina sem doer

É um não querer mais que bem querer,
É um andar solitário entre a gente
É um nunca contentar-se de contente,
É um cuidar que ganha em se perder

É um querer estar preso por vontade,
É servir a quem vence, o vencedor,
É ter com quem nos mata, lealdade,
Mas como causar pode seu favor
Nos corações humanos maizade,
Se tão contrário a si mesmo é o amor?


Um bjo, Lena

Lena disse...

É verdade, Sônia, o amor envolve tantos sentimentos contraditórios, tanta concessão, que como bem diz o texto "...Faz parte da condição humana desejar muitas coisas que não podemos obter. Por outro lado, nos cansamos daquilo que possuímos, apesar de nos deleitarem e preencherem de início". Na realidade, temos mesmo é que "...assumir a relação, tendo consciência, liberdade para decidir e vontade para agir".
Obrigada pela belíssima poesia de Camões que tal bem ilustra o texto do post.
Um beijo, Sônia, com muito carinho.