12 de fevereiro de 2011

Hora da mudança




As mudanças são inerentes à vida e nela, como no movimento das águas, existe um curso. A tentativa de represar este fluxo acarreta uma estagnação que, em algum momento, tenderá a romper de forma mais ou menos violenta. Contrário a este movimento se faz o apego que nos cristaliza na manutenção de vínculos, sejam sociais, econômicos, comportamentais ou emocionais.

O forte apelo do novo gera uma relação ambígua de atração e medo, de sedução e sofrimento. Quando vamos, também deixamos. É o luto inserido na vitória. A dor no prazer.

A dor da perda é necessária para a conquista do novo e será proporcional a intensidade do apego. Toda mudança acarreta uma perda inscrita em sua história e quanto mais apegados a este passado, maior o medo de mudar, levantando toda uma série de barreiras a que o novo se instale.

Um casal transporta para a sua relação suas tradições arraigadas, seus apegos. É como se despendessem mais tempo em manter e copiar que em criar e investir no novo.

Assim ocorreu com João e Maria. Vindos de famílias fechadas em seus princípios, fizeram de seu casamento uma prisão e, como em todo o aprisionamento, uma opressão. Aos olhos externos, era o casamento perfeito, pois espelhava todos os conceitos valorizados socialmente, da cordialidade à estabilidade, da criação primorosa dos filhos à higiene. Sim, higiene, pois as tradições clamam pela assepsia, onde o Eu não se revele em sua sombra. O não retratado também não é identificado, daí a imutabilidade da qual se alimenta a tradição.

Perfeito aos olhos externos e desconfortável para seus integrantes. Estagnação do Eu na escultura clássica da perfeição sem o gozo. Por fim, apenas o rompimento foi encontrado como saída para uma situação que nem mesmo eles entendiam. Como não foram capazes de manter uma relação tão "perfeita"?

Esta ruptura foi o movimento necessário para que ambos pudessem viver as mudanças pessoais, encarar e lidar com suas sombras, se achar e se perder sem medo. Crescer, em última análise, dentro de suas próprias características.

Para João e Maria, apenas a separação foi capaz de deflagrar as transformações que eles necessitavam. Mas é claro que este não é o único caminho. Se tivessem conseguido perceber o grau de expectativas que haviam projetado sobre a relação, começando pela atitude interna de ambos ao manter uma estrutura com a qual não se identificavam, e repudiando como ameaçadores o novo e a mudança, este relacionamento poderia ter tido outro destino.

A questão é que projetamos sobre as estruturas ou instituições externas, nossa tendência interna de temer as mudanças, tornando-as então sufocantes para nós. Por isso constantemente nos iludimos que mudando de emprego, de casamento, de morada, poderemos nos livrar do tormento interno da opressão que nos sufoca. Mas o externo é espelho do interno.

Enquanto projetarmos o medo sobre a ideia de mudança - veja que esta mudança se faz a cada minuto - enquanto nos apegamos a manutenção e impedirmos a renovação, a opressão permanecerá.



Ana S. Botto 

Um comentário:

kiro disse...

E eu, que tanto gosto de mudanças?!

^_^`