31 de julho de 2012

Sobre o medo da morte




Desde o início dos tempos, a questão da morte e da finitude muitas vezes acaba por alterar a tranqüilidade e o prazer de existir, freqüentemente sendo substituída por fluxos de pavor e mesmo de desorganização psíquica.
As perguntas que ficam em relação ao tema permeiam questões sobre o desconhecido, sobre a própria finitude, sobre a razão da vida, sobre o que é transcendente.

Ao longo de nossas vidas, inúmeras são as vezes na qual vivenciamos ciclos emocionais repetitivos. Isso se deve ao fato de que "lá", quando ainda éramos crianças e com os recursos e conhecimentos limitados que pode ter uma criança, entendíamos que nos manifestando com determinados padrões de comportamento na certa seria o melhor para sobrevivermos a situações conflitantes.

Ocorre que com o desenvolvimento que vem através da linha do tempo e com as novas oportunidades que a vida nos oferece, gradativamente podemos perceber que o que foi entendido pela nossa criança daquele tempo, pode ser totalmente redimensionado, abrindo espaço para novos conhecimentos sobre nós mesmos, bem como sobre as nossas relações para com a vida. Infelizmente, porém, não é sempre que este tipo de transformação saudável acontece.

Infinitas são as vezes quando caminhamos rumo a novas experiências, porém ainda fixados em referências antigas que de nada nos servem para as dinâmicas das nossas atualidades individuais e únicas. Talvez por questões traumáticas, pelo medo excessivo ou pelo grau de fixação de prazer distorcido, advindo de respostas da infância, torna-se possível a indefinida perpetuação numa situação de realidade onde já não há mais validade alguma para a atual consciência evoluída. Neste sentido, existe uma emergência silenciosa de se sair desta espécie de bolha.

Note que ao nos perpetuarmos neste ciclo vicioso, sem que percebamos, acabamos por interromper a plena vivência de aspectos fundamentais das nossas existências. Por consequência, grande parte da energia que possuímos fica represada de modo circular, gerando um tipo de hipnotismo que literalmente impede o mergulho numa realidade mais profunda do existir.

Por vezes, num engano atroz e por medo do desconhecido que representa sair da "bolha" e de se atirar no mundo da realidade, pessoas e mais pessoas acabam por se perpetuar nas mesmas questões emocionais, vagueando como sonâmbulas, mudando os cenários vivenciais, mas não as questões emocionais envolvidas; permanecendo num local em que nada se recicla.
É exatamente nesta situação que a vida não acontece.

O medo de morrer, neste sentido, ocorre quando a pessoa sente que ficou em dívida consigo mesma, com a sua própria vida. Deixando de lidar com o mundo da realidade, com as alegrias e com as frustrações inerentes a todo aquele que efetivamente está vivo.

Quem deixa de vivenciar aspectos fundamentais de sua própria vida, pode ter um medo da morte cristalizado. É freqüente a pessoa saber que tem uma conta a pagar a si mesma e, quer seja pela falta de coragem ou pela falta de iniciativa, sente que não aconteceu a renovação do que já estaria morto.

A grande questão é a de se nutrir de coragem e por vezes pedir auxílio quando se fica mais consciente deste processo de sair da bolha conhecida que se manteve anos a fio selada em meio a um montante de ilusões, sonhos de realização, idealizações e medos.

Nesta situação, para que efetivamente ocorra uma ruptura e, por consequência, uma transformação de vida, o "Eu" deve estar suficientemente fortalecido para que se possa comandar com total força transformadora toda essa mudança paradigmática.

Observem que a questão da morte, da finitude, é um assunto que sempre interessa. Os sentimentos envolvidos podem ocorrer em um rompimento afetivo, na perda de um animal de estimação, de pessoas próximas e mesmo no vislumbre da nossa própria morte. É lógico que o processo de desligamento seja muitas vezes complicado. Existem inúmeras questões envolvidas. Aqui, falo da plenitude da vida para que possamos de algum modo alcançar o que nos espera na condição de humanos que somos de modo mais autoconsciente e lúcido.

Tendo a absoluta certeza de que as nossas existências estão validadas!

É quando nos tornamos incorruptíveis no caminho de volta, pelo fato da autoconsciência adquirida. Na sequência, nos encaminhamos a perceber que essas mesmas dimensões/bolhas se tornarão apenas imagens, depois memórias distantes e, logo após, alcançamos o status de se ficar totalmente desidentificados com o antigo lugar. É neste momento que a vida começa por ficar totalmente dinamizada de outro modo.

Nesse palco terreno, todos somos protagonistas, elegemos os antagonistas com os quais lutaremos e, nessa épica luta individual, almejamos sair vitoriosos e por vezes a vitória consiste em apenas abandonar um ciclo que se repetia e que não levava a lugar nenhum. 
Penso que a vida deveria ser encarada mais esportivamente, aprendendo a dar valor tanto às derrotas quanto às vitórias.

Esse tema sobre vidas não vividas também é muito oportuno, porque vejo isso o tempo todo em muitas pessoas, sendo que essa cobrança sobre sonhos e projetos não realizados é muito comum. Também vejo pessoas que, para fugir dessa frustração, dizem viver só o momento presente, abrem mão de projetos e sonhos para não ter que enfrentar possíveis derrotas.

A filosofia poderia ser: "Deixe a vida me levar, mas que eu tenha o leme em minhas mãos".


Silvia Malamud 



2 comentários:

Palavras disse...

Oi Lena,

mais um tema intrigante e uma belíssima escolha de texto.
Evitamos falar, evitamos sequer pensar na morte...

Parabéns apela escolha

Beijos

Leila

Gugu Keller disse...

No melhor do viver-te, ó vida, há, com a da morte contrapartida, um doce e constante flerte.
GK