20 de dezembro de 2012

Simplificando o Natal



Você conhece um conto de Mario de Andrade, chamado O Peru de Natal? Não, desta vez não vou recontá-lo aqui para você, por absoluta certeza de que jamais conseguiria reproduzir a irreverência refinada das frases, dos pontos, das pausas. Esta história você deve ler inteira, de preferência agora, nas vésperas do Natal.

Sim, porque você sabe, nosso Natal anda meio bambo, meio morno, assim sem paixão. Ao contrário do que prometem, as alegrias de consumo nos deixam mais ou menos anestesiados. E compramos mais do que podemos, gastamos, cá prá nós, muitas vezes sem razão nem necessidade. E lá se vai aquela minissaia azul, comprada num impulso "irresistível", indo parar no colo assombrado da sobrinha tímida, que se cobre de moleton até no verão. Isso para não falar no Papai Noel e nas loucuras que conseguimos fazer com o cartão de crédito apenas para que nossos filhos tenham a ilusão de que a felicidade pode vir sim embrulhada num papel de presente. E não é à toa que eles nos olham sem entender quando, no dia seguinte, já fartos, resolvem abrir o boneco que fala para ver o que tem dentro e a gente quase enfarta: "como, você não dá valor para o dinheiro, menino?". É isto mesmo, mais sábios, talvez, do que nós, eles sabem que brinquedo é para brincar e que esta história de brinquedo sinônimo de status é coisa destes adultos esquisitos!!!

Janeiro chega com jeito de ressaca e, na medida em que vão se amontoando as contas do cartão, a gente se pergunta, o que aconteceu que o Natal ficou estranho? Como foi que a grande celebração da generosidade virou a festa planetária do consumo?

E se a gente fizesse uma coisa diferente neste Natal? Algo louco, como diz o personagem do conto de Mário de Andrade? Tão louco que no final a gente pudesse se reconhecer na frase que encerra o conto:

"Era uma felicidade maiúscula, um amor de todos, um esquecimento de outros parentescos distraidores do grande amor familiar. E foi, sei que foi aquele primeiro peru comido no recesso da família, o início de um amor novo reacomodado, mais completo, mais rico e inventivo, mais complacente e cuidadoso de si. Nasceu de então uma felicidade familiar para nós que, não sou exclusivista, alguns a terão assim grande, porém mais intensa que a nossa me é impossível conceber."

Da minha parte, vou engrossar o coro dos valorosos defensores de um Natal mais simples, cujas fileiras, acredite, estão engrossando no mundo todo! Com a crise planetária, frugal é chic! Pensei em algumas ideias, você pode acrescentar outras e fazemos uma grande lista!

Lembram que eu dizia que muita gente compra presentes não pelo prazer de dar, mas pelo prazer de comprar? Cá para nós, consumir virou um passatempo. Poucas vezes guarda realmente alguma relação com o gesto generoso de fazer outra pessoa feliz. E se a gente expressar nosso amor de uma outra forma? E se, apenas este ano, a gente só comprasse aqueles presentes que realmente vão significar algo para quem recebe? Ou seja, não vou dar presentes para "todo mundo do trabalho" só porque senão "fica chato". E ponto! Isso deve reduzir sua lista de presentes pela metade!

Tamanho não é documento. Depois do segundo dia de shopping frenético, lista na mão, horários contados no relógio, mesmo os seres humanos mais saudáveis são presas fáceis das maiores fantasias de consumo. Por exemplo, acreditar que o valor de um presente é medido pelo tamanho do pacote. Quer mentira maior? Mas a gente às vezes cai nessa e sai por aí desfilando pacotes gigantes de coisas sem graça nenhuma. Uma única meia do mais puro cashmere não pode ser muito mais interessante do que duas bermudas "bobinhas"? Pegue carona num estilo de ser mais "bobo" - mistura de duas palavras em inglês, bohemian - bourgeois (boêmios-burgueses), cunhada por um escritor americano, David Brooks, e que serve para falar de gente que detesta excessos, curte as ideias por trás das coisas e paga muito caro apenas pelo que é exclusivo, faz bem para o planeta e é "uma obra de arte" . E ouse pensar pequeno e diferente.

Seja criativo. Um presente pode ter muitas caras. Quer presente melhor para sua avó do que sentar junto dela, se oferecer para preparar um cafezinho e ouvir com atenção amorosa as suas histórias de outros natais? Ou comprar para sua amiga os ingressos para aquele show que ela vive dizendo que não pode perder? Pense em presentear com atenção, companhia, ideias de programas para fazer junto, enfim, subverta a ideia de que presente de Natal se compra em loja, muitas vezes, não precisa ser assim.

Muitas vezes, fazemos as coisas apenas por hábito ou porque sempre fizemos daquele jeito e mudar traz uma sensação esquisita de desconforto. Ou, ainda, mantemos tradições nas quais não acreditamos só porque "todo mundo faz" e não queremos ser diferentes. Mas não existe melhor época do que agora para avaliar o que realmente faríamos com o Natal se fôssemos nós os inventores da festa. Nem todos os lugares do mundo comemoram o Natal da mesma forma. Existem tradições em outros países que talvez respondam de modo mais sincero aos desejos do nosso coração. Penso, por exemplo, no hábito que ainda perdura em muitas cidades do sul da França de deixar a mesa posta com as sobras das iguarias da ceia do 24 para os anjos e os ancestrais se deliciarem, enquanto a família dorme. No dia seguinte, a toalha é dobrada em uma trouxa com todas as comidas e entregue num asilo ou num orfanato ou, então, vai alegrar o almoço de alguma família mais necessitada.

Reinventar o Natal é um grande desafio. Mas se não tivermos coragem de fazer isto nas nossas casas e nas nossas almas, talvez, em alguns anos, ninguém consiga mais reconhecer atrás da avalanche de pacotes o autêntico Espírito de Natal, feito de compartilhar afeto e agradecer pelas bênçãos que sempre recebemos do Papai Noel!


Adília Belotti 





4 comentários:

JAN disse...

Oi Lena!
Simplesmente SENSACIONAL.
BLOGADA CERTEIRA. VOU "LINKAR" ;-)

Abração
Jan

Leninha Brandão disse...

✿ °•.¸¸.• Minha querida Lena✿ °•.¸¸.•


Gostei tanto deste texto e creio que teremos mais alegria e mais Paz no dia em que deixarmos de fazer as coisas só porque todos fazem...passaremos a trocar o consumismo pelo sentimento, pela afeição, pelo carinho, expressões reais do Espírito de Natal.

E para você, amiga querida, o meu desejo de que o Menino Deus abençôe a sua família e te traga Paz, Alegria e muito Amor, neste Natal e no Ano que está chegando.

✿ °•.¸¸.•°♡⊱╮╮ Bjsssssss,
Leninha✿

sonia tolfo disse...

Olá, Lena! Cheguei ao tu blog por intermédio da Jan ( Assim,assim), adorei o nome e o texto que segue o nome, são meus cheiros favoritos.Gostei muito do que li, vou seguir-te, aproveitando para desejar que o verdadeiro espírito de Natal inunde seu lar.
Grande abraço!
Sonia

Calu Barros disse...

Sen-sa-ci-o-nal!!!
Desejo que teu Natal seja cheio de simplicidades profundas, embasadas no amor e na paz que se perpetuarão por todos os dias do próximo ano.
Boas e abençoadas Festas!
Bjos,linda Lena.
Calu