19 de outubro de 2010

Crespo é bonito!




De vez em quando a gente tem a chance, como jornalista, de fazer edição em causa própria. Quer dizer, temos a possibilidade de dar forma final a uma reportagem que trata de um assunto pelo qual temos interesse pessoal, e que caminha, pela força dos fatos, na direção que julgamos correta.

Isso aconteceu comigo, na semana passada, com uma reportagem da Martha Mendonça sobre cabelos. Chamava-se A volta do cabelo crespo e tratava, especificamente, da tendência, nos Estados Unidos e no Brasil, de critica e abandono do alisamento de cabelos crespos. Nos Estados Unidos, em decorrência de uma discussão ideológica sobre a violência física, estética e econômica que o alisamento representa.

Esse assunto me interessa por duas razões. Primeiro, porque eu mesmo tenho cabelo crespo, assim como os meus filhos. É uma herança do meu avô paterno que provavelmente vai se estender aos meus netos. Logo, eu sei, por experiência própria, que esse negócio de cabelos crespos tem suas dificuldades – estéticas e sociais.

Eu parei de pentear os cabelos aos 13 anos, no meio dos anos 70. Foi minha resposta aquele inferno da adolescência que é o desejo de ser igual aos demais.

Nos anos 70 todo mundo usava cabelos compridos, do Roberto Carlos ao Rivelino, passando pelo meu professor de matemática. Naquele contexto, ter cabelo crespo, que não cobria as orelhas, na caia nos ombros e não dava para dividir ao meio, era em si mesmo uma desgraça. Cortar curtinho era impensável; pentear e ver os pelos se armarem em forma de carapaça, um terror. O estilo afro foi uma solução: abraçava uma estética adequada ao meu biótipo e, adicionalmente, me conferia identidade própria no grupo. Nunca me arrependi.

O outro motivo pelo qual esse assunto de cabelos me interessa é que ele simboliza um monte de coisas negativas na auto-imagem dos brasileiros. Embora sejamos um país de gente mestiça, predomina entre nós uma hierarquia estética que diz que liso é bonito e crespo é feio. Nossos padrões de beleza, sobretudo quando se trata das mulheres, são hiper-europeus. Eles sugerem que cabelo feminino tem de ondular ao vento, cair nos ombros e escorrer para a passagem dos dedos. A pressão para que as meninas alisem os cabelos é enorme.

Alguém vai argumentar que eu estou perdendo meu tempo – e o de vocês – com futilidades. Mas eu acho que a estética e a moda dizem muito sobre a auto-imagem dos povos, algo que eu considero da maior importância.

Toda vez que vou ao Chile, por exemplo, me choco com a fisionomia andina das pessoas na rua em contraste com os tipos invariavelmente loiros das peças publicitárias. Parece esquizofrênico. Parece que um país indígena foi ocupado por uma elite européia que impôs sua estética aos nativos. Por mais apreço que eu tenha pela história e pelas conquistas sociais chilenas, o pais me dá impressão de ser triste. As heroínas dos romances feministas chilenos se casam com americanos e vão morar em Miami. Isso diz tudo.

Eu acredito que qualquer povo com vontade de ser próspero, livre e feliz precisa de auto-estima. Não se pode ser moreno e crespo sonhando em ser branco e liso. A diversidade é um dos grandes patrimônios culturais e genéticos brasileiro, mas precisa ser devidamente apreciada: somos bonitos porque somos pretos, brancos e índios, e, ao mesmo tempo, isso tudo, misturado.

Enquanto acharmos que só existe uma forma de beleza – a europeia – nossas meninas e meninos continuarão sofrendo complexos desnecessários e injustificáveis. E criando homens e mulheres com imagem inadequada de si mesmos. Não é assim que se faz um país. Assim, se faz uma grande indústria de chapinha.

É por isso que eu adorei a matéria da Martha. Ela sugere que algo está mudando na cabeça das mulheres brasileiras. Para melhor.


Ivan Martins

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