22 de novembro de 2010

A vida sem instruções




Quem nunca se viu numa situação em que não sabia como proceder? Eu diria que vivemos essa dificuldade quase diariamente. Às vezes não sei como sair de uma briga. Às vezes não sei como pedir desculpas. Às vezes não sei qual é o ponto certo do refogado. E olha que nem os livros de receitas conseguem responder a todas as perguntas. “Vá mexendo e, quando estiver tenro, desligue o fogo.” Como se houvesse uma definição exata de “tenro”.

Ontem mesmo quase comprei um novo livro de receitas. Não tenho muitos, mas os que tenho não me servem de muita coisa. Todos foram ganhos, nenhum foi comprado por mim. Talvez por isso, não tenham as dicas que eu procuro. Foi o que pensei quando percebi que nunca tinha ido a uma livraria para escolher um livro de receitas que se encaixasse nos meus anseios. Estranhei essa falta na minha estante. Se sempre quis ter em casa comida do meu jeito, então por que é que nunca fui atrás de instruções ao meu gosto? Por que é que passei tanto tempo me contentando com os livros que tinham o gosto dos outros, não o meu? Vai ver é por isso que quase não cozinho. Se não sei como fazer o que quero ter, acabo não fazendo nada.

Buscando livros sobre comida pela internet, encontrei, numa única livraria, 180 títulos com a palavra “dieta” em português. Provavelmente não é uma coincidência o fato de minha coluna mais lida até hoje ter sido “A dieta da diarista” (que não falava de dieta no sentido emagrecedor, o que deve ter decepcionado alguns ávidos por mais uma receita milagrosa). A palavra “dieta” tem esse poder incrível de atrair leitores. Tudo porque reúne em si uma promessa de solução infalível do seu problema, sem que você precise fazer nada difícil – só seguir as instruções. O impressionante é que as pessoas que vivem fazendo dieta não percebem que seguir as instruções alheias é uma tarefa inglória. Quando as regras não servem ao nosso jeito de ser, ou ao nosso momento, simplesmente desobedecemos.

Eu adoraria ter instruções para agir sempre que tivesse dúvidas. Compro ou não compro? Escolho este ou aquele? Qual é o jeito mais fácil de... As respostas até estão aí, disponíveis em livros, sites, revistas, escritórios e consultórios. Mas jamais serão exatamente aquelas que procuramos. Estas estão, quase sempre, nesse visitante frequentemente atrasado que chamamos de discernimento.

Regras e instruções gerais são muito úteis, mas prometem um conforto falso. A dieta do fulano de tal pode trazer efeitos interessantes, mas não respeita as suas necessidades nutricionais e metabólicas particulares. Isso só uma dieta personalizada pode fazer, e só dá certo se você observa as mudanças e as leva em conta na próxima consulta. A máquina de musculação projetada para abrigar o corpo de qualquer adulto precisa ser ajustada ao tamanho de cada um, e ainda assim nem sempre é adequada para qualquer pessoa. É preciso ficar atento a dores e limitações e se comunicar sempre com o professor para fazer o exercício mais correto e protetor das articulações.

Talvez seguir modelos prontos seja mais fácil. Talvez investigar diariamente qual a melhor maneira de atender às próprias necessidades dê muito trabalho e traga algum sofrimento. Mas desconfio que há uma recompensa impagável ao longo desse sacrifício. Ao menos dizem que há. Será preciso duvidar e descobrir sozinha.

Francine Lima

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