11 de março de 2012

Sobre gatos e lebres


Eis a minha nada inovadora máxima: na teoria, a maioria dos homens quer uma companheira independente e moderna. Mas, na prática, anseia mesmo é por um Amélia.

Não que se dêem conta disso, conscientemente. Eles juram de pés juntos que não querem “mulheres prendadas” como as do passado, de forno e fogão, cama e mesa. Querem uma mulher com quem se identificam intelectualmente e a qual respeitam profissionalmente.

Mas no insconsciente, a coisa muda de figura. O desejo é por uma mulher que cuide do lar, faça canja de galinha em caso de doença e cozinhe quitutes de lamber os beiços. É quase uma genética cultural. Um determinismo social.

E quando o inconsciente toma conta, mesmo os homens mais desencanados declamam perguntas conhecidas, como robôs preprogramados: “o que você preparou para o jantar?”, “passa a minha camisa, por favor?”, “cadê a minha cueca?”.

Aqui no Oriente Médio, essa dicotomia masculina fica ainda mais latente. Na maioria dos países árabes, os papéis são claros. Os homens são os provedores, as mulheres, donas-de-casa. E ponto final. Com raríssima exceções.

Mas aqui em Israel, tudo parecia ser diferente. Israel é repleto de contrastes e de imigrantes de várias partes do mundo. Mas o etos do país é de um Estado ocidental, moderno, desenvolvido. Os homens, aqui, hoje em dia, lavam louça, trocam fraldas, passeiam com os filhos nos fins de tarde. E as mulheres trabalham, desenvolvem carreiras. Muitas chefiam o lar. Os papéis são menos claros (há exceções, claro, como entre os ultraortodoxos judeus ou os muçulmanos mais concervadores).

Justamente por isso é que tenho a sensação de que tanto eu quanto meu marido levamos gato por lebre quando nos casamos.

Eu porque tinha certeza de ter encontrado um companheiro que acreditava na utópica divisão meio-a-meio das tarefas domésticas. E ele porque achava que queria dividir essas tarefas, mas, na verdade, quer mesmo é se esparramar no sofá e navegar horas a fio na internet. A louça na pia? Uma vez a cada 29 de fevereiro ele lava. Mas, no dia a dia, se eu não botar a mão na espuma, os pratos e copos pode ficar na pia até mofar. A roupa suja? Se eu não enfiar na máquina, pode acumular até ele ter que comprar meias novas.

Tenho conversado sobre isso – ou melhor, reclamado disso – com diversas amigas israelenses. E elas me dizem a mesma coisa. O marido jurava ser todo moderninho, ser de uma geração em prol da igualdade entre os sexos, blablabla, mas na hora do “vamos ver”, se comporta como um suserano diante de vassalas que deveriam serví-lo.

Aqui tenho que fazer uma ressalva: as mulheres – eu incluída – também não estão livres da tal genética cultural, com ou sem movimento feminista. Admito. Outro dia o carro quebrou e liguei mecanicamente para o meu marido. Carro é coisa de homem, né? Ele que leve à oficina, oras bolas, até porque mecânico aqui é igual a no Brasil: adora cobrar mais caro de mulheres, trocar uma parafuseta a mais, essas coisas.

Aliás, marido, aproveita e calibra os pneus, tá?, porque fiz as unhas ontem (e aqui manicure custa o triplo do Brasil).

Pensando bem, eu é que sou minha própria lebre. Acho que quero um homem que divida comigo o fardo do dia a dia. Mas, na verdade, quero é um príncipe encantado que cuide de mim, traga o sustento do lar e leve o carro para o conserto. Em troca, posso até fazer uma canjinha para ele em dia de resfriado.


Daniela Kresch

5 comentários:

Célia disse...

"Gato por lebre"... ou Cinderela perdida em pleno século XXI... ACORDA!!!! Bj. Célia.

Cidinha disse...

Olá, Lena. Adorei o texto... grandes verdades amiga! Vemos tudo isso no dia a dia. Também quero um principe! Bjos carinhosos e obrigada pela partilha. òtima semana!

mfc disse...

Uma confissão recíproca não fica mal a nenhum dos lados...!

Elisa T. Campos disse...

Belo texto da Daniela Kresch.

Acho que somos um pouco Amélia e outro pouco Cinderela.E é sempre assim
casa-se pensando que vai encontrar um mar de rosas.Nem tanto ao sapo nem tanto ao príncipe.É a receita.

Bjs

Bloguinho da Zizi disse...

Lena
Pois eu, com 3 homens em casa, ponho todos pra correr e me ajudar. Também trabalho fora como eles, então.....
Mas tem os dois lados sim, não vou contestar.
Beijinhos